ESTÍMULO AO AUTOR INICIANTE

Que estejas bem e em paz com os teus neurônios. Não desestimules, querida! Paciência! Eu também tinha (e os tenho sazonalmente) esses momentos de fraqueza com relação à possibilidade de publicar algo que tenha – realmente – valia para os leitores e utilidade para a história literária do país, além da satisfação de meu ego... Os momentos de falta de criatividade e vontade de escrever são comuns em nosso ofício. Afinal, não há pressa em terminar nenhum original de novela, romance ou poesia, porque são peças literárias atemporais. Somente artigos e crônicas sobre fatos ocorrentes na vida das comunidades é que sugerem urgência pra não perderem oportunidade e conveniência... A angustiosa cobrança do autor pra com ele mesmo e a pressão das editoras (ansiosas por ganhar dinheiro) para que o autor termine logo o livro e remeta os originais à editoração produzem esse estado depressivo que ora ocorre em teu pensamento, pelo que vejo... Não fraquejes quanto ao exercício de teu talento. Calma! Dá uma olhada na biografia dos consagrados, sugiro... Alguns deles relatam os seus períodos de escassez de criatividade e a eventual impotência frente às mudanças de rumos, sentido e personagens em suas obras... E isso funciona como desestímulo à chegada do objetivo. Percebo, desde os tempos de Orkut e, atualmente, no Facebook, que és uma mulher crente na divindade e fiel aos princípios cristãos, e te sei bem formada, porque sempre há substratos autobiográficos que subsistem em quaisquer textos, ainda mais na narrativa longa, como é o caso de tua peça romanceada. Sobrevive, no texto, a riqueza do itinerário do autor, mesmo que ele vele as intimidades. Somente quem vacila pode descobrir o gosto bom da crença no dia seguinte... Como o Cristo se apresenta em nós, se não pela ocorrência de nossas tristezas, defeitos e virtudes? E até hoje Ele – homem e exemplo – esparge a sua sabedoria descrita, sustentada e propalada pelo trabalho dos evangelistas, sempre sugerindo o aproveitamento dos momentos de solidão e de fraquezas para a reflexão personalística, a fim de que adquiramos a necessária autocrítica... Em ti, talentosa, o crístico também se completa pela escritora que instintivamente te habita, não só como mulher, companheira, mãe, ativista cultural e outros dotes na convivência social... E isto não te faz feliz, por vezes? Se todos os dias fossem iguais, como saberíamos dos de maior intensidade da ocorrência da FELICIDADE? Conto contigo, porque tu também és razão de minha felicidade de poder te auxiliar no desenvolvimento da obra... O dinheiro não compra a minha ânsia de ver o livro na rua, compreendes? Meu ofício de colaboração ao autor, mesmo com honorários, não é rasamente algo sem alma, sem uma ideologia de partição do bolo da Criação. Não me frustres, porque vou me sentir culpado por não haver te dito “os originais remetidos estão bons... e podem ser publicados”... Poderia até ter feito isto, mas eu te quero louvada pelo talento e criatividade e que tenhas leitores aficionados de teu estro. Daí a sugestão de revisão dos originais da obra, diminuição do número de páginas e objetividade no enredo, etc. Vai daqui o meu apreço e o estímulo de sempre. E não tenhas pressa. Eu esperarei que a fonte volte a dar boa água...

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

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