O óleo da lamparina - O valor da perseverança - Carta 051
Carta 051
Tema: O óleo da lamparina
Um leitor do Paraná pede um texto sobre “O valor da perseverança”
A história das “Virgens prudentes” aparece embutida no capítulo 25 do evangelho de Mateus (vv. 1-13), juntamente com a “parábola dos talentos” (vv. 14-30) e a narrativa do “Grande julgamento” (vv. 31-46) e nos cai bem no espírito preparatório da Semana Santa. Esta parábola, contada por Jesus, que ostenta vários subtítulos, entre elas “As dez virgens”, “O valor da prudência” e “Estejam vigilantes!”, tem um sentido nitidamente escatológico, pois nos remete à idéia da iminência entre a vida e a morte, naquela situação-limite em que está prestes a acontecer o julgamento de nossas ações, e não há mais tempo para retratações ou reconsiderações.
Apesar de não ser o ponto central da história, o óleo da lamparina tem um destaque especial na narrativa, é um dos pontos-de-interesse, pois o objetivo das moças era manter suas “lâmpadas” acesas para que, como aias de uma festa de casamento, pudessem iluminar os passos do noivo na hora de sua chegada, Embora naquela antiguidade não existissem lâmpadas como as que conhecemos hoje, feitas de filamento incandescente, elétricas, as “lâmpadas” daquele tempo tinham no óleo, em geral de oliva, o combustível de seu funcionamento, semelhante às “lâmpadas de Aladim”, que nos acostumamos a ver nos filmes e desenhos animados. Desde os tempos mais antigos nos habituamos a chamar de lamparina a essas luminárias que eram os únicos meios de iluminação daquela época. Pois a história de Jesus, embora busque uma analogia com o Reino dos Céus, se organiza a partir do exemplo prosaico do óleo das lamparinas de algumas jovens, aias de uma festa de casamento. Vamos ao texto:
1 "Naquele dia, o Reino dos Céus será como dez virgens que pegaram suas lâmpadas de óleo, e saíram ao encontro do noivo. 2 Cinco delas não tinham juízo, e as outras cinco eram prudentes. 3 Aquelas sem juízo pegaram suas lâmpadas, mas não levaram óleo consigo. 4 As prudentes, porém, levaram vasilhas com óleo, junto com as lâmpadas. 5 O noivo estava demorando, e todas elas acabaram cochilando e dormiram. 6 No meio da noite ouviu-se um grito: 'O noivo está chegando. Saiam ao seu encontro'. 7 Então as dez virgens se levantaram, e prepararam as lâmpadas. 8 Aquelas que eram sem juízo disseram às prudentes: 'Deem um pouco de óleo para nós, porque nossas lâmpadas estão se apagando'. 9 As prudentes responderam: 'De modo nenhum, porque o óleo pode faltar para nós e para vocês. É melhor vocês irem aos vendedores e comprar'. 10 Enquanto elas foram comprar óleo, o noivo chegou, e as que estavam preparadas entraram com ele para a festa de casamento. E a porta se fechou. 11 Por fim, chegaram também as outras virgens, e disseram: 'Senhor, Senhor, abre a porta para nós'. 12 Ele, porém, respondeu: 'Eu garanto a vocês que não as conheço'. 13 Portanto, fiquem vigiando, pois vocês não sabem qual será o dia, nem a hora" (Mt 25, 1-13).
Como em qualquer grupo social – e também religioso – sempre há os prudentes e os imprudentes, os prevenidos e os desprevenidos. Os que se preocupam e assumem suas tarefas e os que não estão nem aí... Jesus ensina que para participar da grande festa do Reino é necessária a vigilância e também a responsabilidade. Para o grande e incerto momento da nova vinda de Cristo, quando ele virá para “julgar os vivos e os mortos...” é preciso que todos estejam suficientemente atentos para não serem surpreendidos. Aqui, o noivo é Jesus que vem para desposar a humanidade e colocar um fim na história...
E a noiva? Como vem omitida na narrativa, imagina-se que ela já estavesse na casa, esperando a chegada do noivo. Num passado bem remoto, havia a idéia de que as dez virgens eram as noivas, a espera de um noivo polígamo – o que não é raro no Oriente Médio – para as bodas. Depois, passou-se a admitir a metáfora de que a noiva era a Igreja que ia ser desposada por Cristo.
A virgindade das aias não explicita unicamente uma virgindade sexual, mas nos indica uma atitude de pureza de todos perante Deus, os que não se deixaram contaminar (cf. Ap 14,4) O número dez, que se refere às moças, aponta para um todo, um número completo: toda a comunidade; a Igreja. Embora se manifestasse, logo a seguir, uma divisão entre eles, o número dez dava a entender que todas possuíam óleo, eram fiéis ao projeto original. Mas...
Mas, apesar do desejo, faltou-lhes capacidade de previsão. Não se deram conta que o óleo poderia faltar e na hora necessária, ficarem sem o combustível. E foi o que aconteceu. Sobre essa necessária vigilância, Jesus advertiu:
Se alguém de vocês quer construir uma torre, será que não vai
primeiro sentar-se e calcular os gastos, para ver se tem o
suficiente para terminar? Caso contrário, lançará o alicerce e não
será capaz de acabar. E todos os que virem isso, começarão a
caçoar, dizendo: “Esse homem começou a construir e não foi
capaz de acabar!” (Lc 14,28ss).
A narrativa informa que a chegada do noivo, no meio da noite (em algumas traduções à meia-noite), foi precedida de um grito (cf. v. 6), com um sinal escatológico, quem sabe a “sétima trombeta” (cf. Ap 11,1-19). Essa sétima trombeta, a tés esxata salpinx (a trombeta escatológica) aponta para a volta de Jesus! Nós estamos preparados para esse encontro com ele? A noite é fria, longa e cheia de trevas. Ninguém esperaria que o cortejo nupcial começasse em tão avançadas horas. Por que o noivo planejaria esta hora? A meia-noite é hora de dormir e não um tempo para cortejos nupciais. Quando Jesus chegar ele virá em um momento totalmente inapropriado.
Há que se buscar sentido em três símbolos que envolvem a lâmpada e ocorrem nessa alegoria: o óleo, o pavio e o fogo. O óleo (em geral usavam azeite de oliveira) era o material usado para unções (de origens espirituais) e massagens (físicas). Seu significado aponta para o cristão ungido para uma determinada missão. Os profetas recebiam a unção de outro; Jesus foi ungido pelo Espírito (cf. Lc 4) para anunciar a boa notícia, curar e libertar o povo. Assim, o óleo (azeite) é o símbolo do Espírito Santo (cf. Zc 4,2-6).
Já o pavio, em geral feito de corda de algodão, embebido no óleo, onde se fixava o fogo para iluminar. Seu significado se prende ao desejo de santidade, a vontade que anima todos os santos: ser luz. O fogo, luz e calor, é a ação do Espírito Santo agindo no ungido, em favor da Igreja e da causa do Reino. O apóstolo Paulo afirma que “é impossível alguém pertencer a Cristo se não tem o Espírito Santo (cf. Rm 8,9.11). As sete lâmpadas (heptá lampades), o menorá sagrado referido no livro do Apocalipse, que caracteriza o judaísmo, apontam para uma situação de iluminação, sob a qual ocorrerá o julgamento. As bodas tem uma característica escatológica, pois vão acontecer no limiar da eternidade, após o julgamento final, e durar por todo o sempre. As mensagens da parábola ora em estudo se afinam com o Apocalipse, numa ênfase à necessidade de vigilância e perseverança. Nesse contexto, constata-se que o Noivo é Jesus Cristo “aquele que vem”, e a Noiva é a Igreja.
O cristão que é prudente, ele deseja e realiza a obra de Deus. Já o imprudente, o desleixado, ele quer, mas não se torna previdente, não consegue organizar sua vida espiritual em face dos fins propostos. O fato é que muitos conhecem a Jesus, sabem falar a respeito dele, mas não o seguem. Há, no texto, várias expressões que nos chamam aos cuidados e à reflexão, entre elas uma que traz consigo uma vigorosa carga escatológica:
E a porta se fechou (v. 10b).
Ora, depois que a porta se fecha, explicitamente no aspecto escatológico, não tem mais volta. Quem está dentro do salão vai festejar, e quem se colocou do lado de fora, por causa de sua imprevidência, vai ficar de fora. Para sempre. A porta fechada, ao contrário da aberta, revela uma situação de irremediável tragédia para quem ficou do lado de fora. A chegada do noivo para as bodas, quando vai ocorrer o chamado arrebatamento, os atentos e vigilantes vão ser admitidos à festa, enquanto os outros, chamados de virgens néscias ou loucas, em algumas traduções, vão ficar de fora. São Paulo define essa situação de transformação com vigorosa precisão:
Vou dar a conhecer a vocês um mistério: nem todos
morreremos, mas todos seremos transformados, num instante,
num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final. Sim, a
trombeta tocará e os mortos ressurgirão incorruptíveis; e nós
seremos transformados. De fato, é necessário que este ser
corruptível seja revestido da incorruptibilidade, e que este ser
mortal seja revestido da imortalidade (1Cor 15,51ss).
Os excluídos, aqueles que não se prepararam para a unção do Espírito Santo, vão ouvir da boca de Jesus a terrível sentença:
Eu garanto a vocês que não os conheço (v. 12).
A parábola nos fala de uma separação das virgens, o que parece apontar para a chamada “grande tribulação” (cf. Ap 20,1-6), onde ficará evidenciado “quem-é-quem”. A separação divide o grupo em cinquenta por cento, conforme já fora preconizado pelo próprio Jesus:
Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem. Dois
homens estarão trabalhando no campo: um será levado, e o
outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no
moinho: uma será levada, a outra será deixada. Portanto,
fiquem vigiando! Porque vocês não sabem em que dia virá o
Senhor de vocês (Mt 24,39-42).
O outro enfoque de reflexão, contido no título deste estudo, aponta para o óleo que abastece a lamparina, umedecendo seu pavio e proporcionando a iluminação desejada. No que consiste então em ter sua lâmpada abastecida, sem ter a necessidade de sair para comprar óleo? Por fim nos é dito que todas elas tinham óleo nas lâmpadas. O problema é que elas não tinham azeite sobrando. O azeite nas Sagradas Escrituras, como já foi dito, simboliza o Espírito Santo. Como todas tinham a mesma quantidade de óleo, parece que umas pouparam – frutificaram a graça – e outras não. No contexto dos casamentos palestinos, o azeite, além de alimento, também era usado como combustível para manter as lâmpadas acesas. O Espírito Santo é que mantém no homem a presença de Deus ardendo como fogo (cf. Zc 4,1-6).
Como as virgens esperavam pelo noivo, também a Igreja aguarda a volta definitiva de Cristo. A Igreja são todos os que receberam seu evangelho, como boa notícia de arrependimento, remissão de pecados e salvação. Esta passagem nos ensina muito a respeito da volta de Jesus. As virgens da parábola representam as almas cristãs à espera do esposo, Cristo. Ainda que ele tarde, a lâmpada da sua vigilância deve estar preparada. As leituras apocalípticas do Novo Testamento nos remetem à necessidade de discernimento sobre os fatos e o futuro da comunidade cristã.
Á pergunta “quando vai acontecer?” Jesus responde com a imagem da figueira: “Quando começa a brotar, o agricultor sabe que está chegando o verão e se alegra porque a colheita se aproxima” (cf. Mt 24,32s). O dia e a hora da ceifa só o Pai sabe... O mais importante não é saber quando irá acontecer, mas estar vigilante e preparado para ele.
Na nossa história, todas as aias eram virgens, ou seja, representam pessoas separadas das obras injustas deste mundo maligno, como todos os batizados que aceitaram a Palavra da verdade em suas vidas. Quando o esposo é anunciado, todas estão "dormindo", mostrando que a volta de Cristo vai ocorrer num momento inesperado para todos. As moças, para fins de estudo, foram classificadas em ajuizadas e imprudentes, duas categorias contrapostas na sólida tradição de alguns livros Sapienciais (cf. Pv e Eclo). Na parábola em questão, conforme a atitude cada uma delas, está em jogo o sentido último da vida. As lamparinas e o óleo que as alimenta são expressão de vigilância noturna (cf. Pv 31,18; Ap 18,22).
O azeite das virgens prudentes não pode ser compartilhado com as virgens descuidadas, uma vez que o relacionamento com Deus, a vida da graça, é pessoal e depende do nível de busca de cada um. Este item não pode ser obtido no último minuto. A história das dez virgens é a mais profética parábola de Jesus. Existe um tempo de espera onde a fé é provada. E só pode resistir a esse tempo quem tiver "quantidade suficiente" de óleo (a perseverança) para manter sua lâmpada acesa. O prêmio, estipulado por Jesus é bem claro:
Ao vencedor, darei um prêmio: vai sentar-se comigo no meu
trono, como também eu venci, e estou sentado com meu Pai
no trono dele. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz
às igrejas (Ap 3,21s).
No clímax da parábola, Jesus faz coro a tantas admoestações contidas nas Escrituras, no sentido de uma vigilância que é fundamental à vida espiritual de todos os crentes: Portanto, fiquem vigiando, pois vocês não sabem qual será o dia, nem a hora (v. 13)
(o autor é Biblista e Doutor em Teologia Moral)