CARTAS PEDAGÓGICAS

Meu caro Souza,

Há bastante tempo que não trocamos ideias sobre o fenômeno social Educação. É muito visível a cooperação das ciências sociais para a elucidação do fenômeno e contribuição na produção das ações pedagógicas. Émile Durkheim (1858 – 1917), em seu tempo, muito bem dizia da grande ajuda da Sociologia na formação do pensamento pedagógico. O grande sociólogo francês muito ajudou ao homo sapiens a pensar sobre educar sua espécie, contudo, como todos os demais, esbarrou na epistemologia de sua época que trouxe muitas nuvens negras sobre o que é o que.

Está chegando o fim de três décadas em sala de aula. Hoje me recordo do primeiro dia em que risquei o giz, pela primeira vez, na lousa de pedra fria. Eu era apenas um garoto de pouco mais de vinte e dois anos. Cheio de ideias e vida, o mundo para mim ainda era colorido, e o processo educativo um objeto fascinante! Recordo-me de alguns rostos que com muita dificuldade os via na penumbra de uma sala de aula com iluminação precária na periferia do Recife – era o bairro Cavaleiro. “Roosevelt, você pode dar aulas de Inglês para nós?” Eu, por um instante, pensei não ser capaz de fazer nada em uma sala de aula. Mas devo confessar amigo Souza, aquela fora a experiência mais saborosa de minha existência nesse orbe!

Ensinar é aprender novamente, ou melhor, reaprender constantemente o que aprendemos uma vez. É uma experiência de movimento permanente, uma dialética que ora nos põe entre os ignorantes, e ora nos põe entre os mestres da terra. O rio epistêmico nunca está seco, nunca se torna ralo; suas águas são, por vezes, turvas, outras vezes, tão límpidas e tão cristalinas que refletem a imagem dos que passam, ou as formas da paisagem ao seu redor. São águas profundas; nunca o sábio se farta delas.

O sertão me trouxe novos horizontes; é certo que dificultou muito o acesso a níveis maiores na academia. No entanto, posso te garantir meu ilustre sociólogo, que foi no sertão, entre os mandacarus e juremas que o professor nasceu definitivamente. Ele nasceu pela força do sonho de um povo. Aprendi de minhas crianças que ensinar é sonhar, é imaginar, por isso, ao ensinar estou em um processo de criação e recriação do mundo. É preciso, então, para continuar ensinando permanecer sonhando com um sertão novo que renasce a cada inverno, e acreditando que dele sairão novos sujeitos que garantirão a continuidade de nossa espécie sobre a terra.

Ensinar sem um gota de amor ou fé é impossível! Reconheço meu amigo que depois do neoliberalismo, as salas de aulas se tornaram escritórios de negócios e os alunos e professores coisas falantes, acéfalos pensantes! Se sonhar é preciso, vejo nos meninos uma chama de fé que me diz que vale a pena continuar sonhando até o óbito. Afinal o que são as coisas que dizemos do mundo?

O homo sapiens se achou fora do contexto da paisagem natural, se reconheceu enquanto consciência. Ora, amigo Souza, isso é um sonho! A substância prima de nossa consciência é intangível. Nossa subjetividade é constituída de signos, imagens, sons, ecos, reminiscências, arquétipos, fantasias. O nosso amigo Durkheim se envergonharia de ter dito de uma biologia social. A realidade é a possibilidade de um sonho que se apresenta a mim única assim como para o outro. Sonhar o mundo é ato único que sujeito faz em um dado um momento de sua existência única também. Fora da phisis, só existe imaginação! O que dizemos dela, ou que pensamos dizer, pode ser como um novo florescer do mandacaru, uma quimera, uma fantasia! Sobre o óbito e o que há depois, bem, poderia minha humilde pessoa discorrer sobre isso, mas, acredito que sua ilustre figura das ciências sociais não o suportaria.

Se é verdade que as coisas concretas se fundam em sonhos, então, devo ser redundante, é preciso sonhar para educar o homem objetivo!

As coisas, as instituições nascem dentro de nossa espécie. Nascem no seio de sua imaginação. Antes de ganharem corporeidade, objetividade, elas foram fecundadas pelo semem dos signos. Mas, veja! meu amigo Souza, que coisa fabulosa! Nossa espécie olha o mundo e nele sonha; desta forma o mundo faz o nosso sonhar e se refaz quando sonhamos.

A benção e a maldição do mundo estão entre os signos! Pois, se sonho o sonho do outro, é o outro que está em mim. É um hospedeiro como dizia nosso irmão Freire. Alojou-se em mim pela força da soma dos sonhos coletivos que exercem uma pressão tão forte como a força natural da gravidade. Educar é o processo de despertar o sonho de cada sujeito, pois, cada um tem seu sertão! A pedagogia dialogista consegue ver a validade dos sonhos como realidade comum a nossa espécie, a necessidade que a humanidade tem de ter seu sonho livre e único.

Meu amigo Souza, o Dialogismo será a pedagogia da nova geração de homens. Não se pauta no biologismo social, ou no geneticismo pedagógico, permita-me esses neologismos. Nem se funda numa única compreensão do homo sapiens. Uma vez que acordamos e vemos no despertar a necessidade de sonhar, então, todos os sonhos são benvindos.

A escola precisa dialogar consigo, com a vizinhança próxima, com o território que lhe exerce coerção, com o mundo globalizado, com a sociedade fluida, vaporizada; somente assim, ela perceberá que depois da Economia da Educação, das estratégias de ideologizar ainda mais o sujeito, todos se tornaram mercadorias, e o conhecimento um resultado previsto em planilhas de metas. Isso carece de um conhecimento mais preciso de nossa antropologia! Isso carece de alteridade! O mercado, embora, sonho, é perigoso, uma vez que seu alvo é o egoísmo do lucro, do individualismo, da classificação das pessoas, das hegemonias, dos donos dos outros, dos ladrões de sonhos ou dos fabricantes de quimeras. A natureza atesta que essa experiência não é razão, é desrazão! A natureza geme e agoniza sob as garras do extrativismo capitalista cujo sonho não enxerga que a grama sob nossos pés também fala, dialoga e nos indica um caminho, ou o fim da espécie. Perdoe-me minha pouca gramática, mas, tudo isso eu vi no mandacaru! Abraços!

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 16/03/2013
Código do texto: T4191732
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