Circo bom só nos livros - De um tempo abundante
Na beira daquele lago sentei, molhei as mãos, balançando para todos os lados, os peixes em abundância sopravam bolhas de água me convidando a entrar. Voltou a acontecer no sanitário do banheiro. Isso me fazia ser alguém sem precisar ter que ser. O tempo do sítio não volta, e agora parece que não existiu na verdade, foi apenas um livro que li, era aquele que ficou jogado atrás das revistas de política na estante que mamãe havia mandado limpar, mas não limpei.
Me lembro de um dia comum de alimentar os porcos, lembro de ouvir no rádio que minha irmã sempre deixava chiando na janela da cozinha, algo sobre um circo na cidade. Ual, minha alegria só de imaginar, nunca tinha conhecido algo assim, mal sabia o que era um circo, ou o que acontecia lá, mas parecia tão alegre. Me veio em mente um livrinho de desenhos que abri e foliei uma vez na creche que mamãe trabalhou. Havia cores, e bichos, e homens e animais vestidos de saia com chapéu e grandes óculos, acho que foi nesse dia que percebi que não é importante o gênero sexual. Vi também um macaco brincando e depois ficando nervoso quando não lhe deram o pirulito, pensei que ele o queria só por ser vermelho e não doce. Na próxima página estava uma criatura muito pequena que tinha um pé muito grande e o nariz redondo e vermelho como o pirulito do macaco, ele estava de roupa verde com bolinhas pretas dançando enquanto um senhor sentado numa mala tocava um pandeiro, de vez em quando dava uma cambalhota ou outra e quando ele escorregava o velho caia na risada e tocava mais forte. Tinha a foca e o leão juntos, muito animados, mas sérios passando uma bola listrada do seu focinho para pata, da pata para a barriga, e trocavam logo.
Mas sem chance, não cogitei momento nenhum para pedir meus pais para conhecer o tal circo, tinha medo, não deles, não de brigarem comigo, meu medo era de ter que falar, explicar o porquê de ir nesse lugar desconhecido, sabendo que eles não me entenderiam, e pior, que meus irmãos caçoariam de algo que para eles parecia tão bobo. Simplesmente deixei de lado.
A primeira vez que fui ao circo não sabia onde estava indo, mas quando cheguei a primeira coisa que vi foi um pequenino leão numa caixa de grades, parecia perdido, como as pessoas ali, como eu, mas que mesmo assim não tanto quanto o peludo. Sofri com isso, imaginei meus cachorros lá, "prontos" para entrar na lona, meus porquinhos ou meu pônei, ou minhas galinhas, me senti pela metade ali, completa apenas pela liberdade que há na natureza que ainda havia de aparecer, ainda há de se libertar dos nós de nossas mentes inflamadas, corrompidas que corrompem e distraem, e muito destrói, aprisionam, e então não quis nem imaginar meu coelho naquilo! [fingi que havia graça]
Aí entendi que circo bom só há nos livros.