Inquietação

Inquietação. Poderia ser o que tenho estocado no organismo; substâncias para que ele queime o que não desejo. Não, não quero me enganar. Sei que oriunda de você essa inquietação. É que tenho uma calma estocada no organismo que uso pra me poupar daquilo que não desejo sentir. Sei que brota desses seus poros sarapintados as químicas que me farão viver novamente. Não como algo vital, mas como um complemento a qualquer coisa - a qualquer fagulha - de algo vitalmente bom que eu quiçá ainda carregue nesta carcaça destinada aos vermes. Não sei o que é ter uma vida. Mas, sabe? Li em algum lugar que nós, tudo o que há neste planeta, fazemos parte de uma mesma coisa, de uma mesma instituição; somos todos palavras, vírgulas, espaços e pontos no que deve ser o parágrafo que explica nossa existência. Portanto, não devo me cobrar tanto assim de não saber o que é viver? E se sou uma vírgula? O que sabe uma vírgula? Um espaço entre palavras, o que sabe um espaçamento entre palavras? Nada. Só sei que sinto, e que sentir é um horror para quem tem os nervos ligados em amplificadores que ficam desligados na maior parte do tempo. "Boom!", eles fazem e, quando me dou por mim, estou surdo, catatônico, sem as tais das estribeiras do tirocínio. E passo a querer nunca mais voltar a ouvir ruído algum... Nenhum, nada, nem um cricrilar derradeiro que seja. Mas deve ser coincidência. Uma terrível e deliciosa coincidência de fatores que, sob a vastidão do espaço e a incomensurabilidade do tempo, estejamos aqui, juntos. Claro, cabe nesse "juntos" que estamos mil aspas, mil palmos de indiferença, mil camadas de hostilidade, mil filtros de nada-intransponível, mil dúzias de palavras não pronunciadas, que nunca serão pronunciadas, que jamais deverão incomodar nossas cordas vocais com sua inútil, com sua perpétua inutilidade.

Claro, sua estação chega, você se levanta, sai porta afora e nunca mais te vejo. Fico com essa barafunda de palavras incrustadas na goela feito um cancro. Para todo o sempre.

06/03/2013 - 08h25m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 09/03/2013
Reeditado em 09/03/2013
Código do texto: T4179017
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