Milord
Então pra ninguém notar que estou ouvindo uma música dor de cotovelo mela cueca das braba eu tô aqui, com meu fone de ouvido, e essa barra de chocolate que se doa a minha frente. Espera. Mais um pouco. Deixa eu reclamar da vida, que reclamar da vida é o que eu faço de melhor.
Pensando que eu poderia te ter, aqui e agora, falando aquelas coisas impróprias que só você sabe dizer bem no meu ouvido. Pensando em seus possíveis efeitos. Pensando nos bares onde deves estar tocando, nas guitarras que me roubam os teus dedos. Nos amigos, que te têm, e eu não.
Que idiotice a minha, ver o tempo passar dia após dia, ou ainda pior, noite após noite, ou ainda mais pior ainda, manhã após manhã sem ter um cheiro no pescoço, os teus cabelos entrando na minha boca, um adorável momento vivido a dois que iniciava aprazivelmente o dia de ambos.
Dois anos, dois meses e dezenove dias. Distâncias.
Decidi escarafunchar lá no íntimo mais profundo da memória e perguntar dos meus porquês. Foi um erro tão grave você ter dito logo pra quem era e ainda é da minha maior confiança, sangue do meu sangue, advindos dos confins uterinos do meu ser, foi tão tão grave você ter se confessado logo com quem. Porque foi o que mais me doeu na alma, isso, eu não ter sido nunca o que foste pra mim. Ter considerado, durante todo esse tempo que eu te amei, cega e surda a todos os teus erros, que alguém no mundo algum dia poderia ter sido superior a mim, em beleza, em doação, em capacidade de te amar, ou melhor, de ser amada.
Então eu rebusco e curo, eu rebusco e te deixo ir. Como um navio que abandona um porto e se quebra inteiro no meio do oceano ao bater numa rocha e nunca mais volta.
O porquê desse navio nunca mais voltar é que ele jaz, agora, profundamente afundado no oceano sem fim. A minha dor que foi com ele. O meu amor que foi com ele. O meu orgulho, que não permitiu a sua volta. O meu amor próprio, enfim (sim, eu tenho amor por mim mesma, amém).
A lembrança, que só, ficou.
E no entanto, parafraseando alguém famoso e que tu conheces,
és um lord... Milord.
Eta saudade besta sô. Eta ciúme bobo.
E porque que ainda dói, tanto, só o supremo comandante do mais abissal abismo sabe.