Carta ao Mundo...
Caríssimos irmãos... de credo, de diferenças, de pensamentos por mais convergentes que sejam... apenas irmãos. Como estou necessitando deste diálogo que aqui inicio. Inicio, pois temo que seja tarde demais, que um dia tudo isso acabe e reste-nos a quimera de um tempo que já não voltará.
Por vezes pego-me desatenta, numa linha tênue entre riso e o sofrer... Mas não o sofrer doentio da depressão... Um desalento social causado pelo aparente caos, travestido de modernidade, porém vil como um punhal envenenado.
Raros são os momentos em que vejo o riso sincero entre estranhos numa rua. Apenas a carapuça do mau-humor. Nada de cordialidade... As pessoas nutrem afetos virtuais, sendo incapazes de cultivar o amor verdadeiro, aquele que se conquista pelo simples olhar.
Como encontro pessoas doentes... tristemente doentes... ausentes de afeto, do senso do humano... do senso do respeito.
Pais que não cativam seus filhos e pensando estarem certos terminam por montar verdadeiros seres inanimados, adestrados sociais, infelizes vítimas da tão sonhada sociedade contemporânea...
Assusto-me com a sociedade... frívola, carniceira... egoísta e despida de qualquer pudor... A sociedade relativa, faceira e cruel. Uma sociedade alimentada pelo sangue dos que sofrem, saciada pelo suor dos que trabalham... composta de dor e sofrer.
Não se vê mais o pôr do sol... o quebrar das ondas... os moinhos que o vento encontra e dança serenamente... não se ouvem os pássaros, pois estes souvenires da natureza são peças de gaiolas... não se brinca no chão, não se faz mais bolhas de sabão e meus pensamentos estouram pelos ares, respingando a saudade do meu tempo de infante, de inocente estado de comodismo.
Tolo do que se encantar com a lua nascendo envergonhada pelos céus enegrecidos... Tolo do que ficar reflexivo com o sorriso de uma criança... Tolo do que fizer uma festa ao ver uma estrela cadente riscar o céu...
Meu Deus...
Não imaginei que um dia eu dissesse isso...
Logo eu... professora... detentora do saber...
Logo eu... a que mais pensa...
Mas como todo penso é torto:
Como seria bom apagar esse rascunho que chamamos de vida...
recrias as linhas dos nossos horizontes...
recusar o borrão do acaso no meio do caminho...
Refazer os ladrilhos do coração perdidos pelo tempo!
Mas que saudade da gênese do universo...
da pureza do ser humano curioso...
do encantamento pela chuva, pelas correntezas e pelo vento invisível e aprazível...
Oh, Terra...
mãe entristecida, devoradora de filhos mortos...
mortos pela intolerância...
mortos pelo caos...
mortos por outros mortos...
Oh, mundo...
como seria bom tê-lo como um só...
o respeito ganhado forças... como seria bom...
seria bom
creio...
será tão bom!
Creia!
será tão bom!
Veja!
será tão bom!
Sinta, pois
será tão bom!