Bom dia a você que vai se dignar a ler esse meu desabafo. E digo desabafo, pois tenho certeza de que a situação que aqui vou relatar não vai ser alterada por esse humilde e-mail, já que para a Secretária não passo de um desconhecido e insignificante número, mas pelo compromisso que assumi há vinte cinco anos e que tenho honrado dando o meu melhor e lutando para ser a diferença na vida dos meus alunos, sinto-me no direito de aqui abrir meu coração.
Estou farta de ver que eu e meus alunos não somos seres humanos para vocês, porque quando somos vistos apenas como números, tenho a sensação que sou parte de um rebanho de gado. E diferente de vocês, eu trabalho com seres humanos, eu convivo com as suas dificuldades, eu acompanho as suas conquistas e vitórias, eu conheço as suas histórias de vida. Não os vejo como números. Eu luto para que eles realmente aprendam, para que se tornem pessoas melhores.
E não estou escrevendo, porque estou sem aulas, pelo contrário, tenho jornada integral, sou efetiva e faço tudo o que está ao meu alcançe para fazer um bom trabalho, para oferecer uma educação de qualidade, pois gosto de dormir com a consciência tranquila.
Em 2012, minha escola trabalhou com classes constituídas de no máximo 35 alunos, nas séries fundamentais 26 alunos. Este ano, as salas estão lotadas. Não existe a possibilidade de trocar um aluno de lugar, pois todas as carteiras estão ocupadas. As salas só possuem um ventilador e tem algumas onde o mesmo está quebrado. Conseguem imaginar o que é trabalhar numa sala lotada, com apenas um ventilador, em laje coberta com telhas de amianto, num calor de quase 40 graus? Mas isso a gente supera, a gente suporta.
O que não dá para suportar é ser tratado como meras cabeças de gado. Tenho uma sala de segundo ano do Ensino Médio, que acompanho desde a quinta série. São seis anos de trabalho com esses alunos. Tenho com eles um vínculo profissional e afetivo. Não consigo vê-los como meros números. Mas com certeza a culpada sou eu, que os vi crianças, acompanhei seus fracassos e conquistas, que conheço suas dificuldades, que estou com eles a semana inteira, que os vi tornarem-se adolescentes e que não aceito o pouco caso com que estão sendo tratados.
Nesta sala há um aluno com deficiência auditiva e que apesar disso tem acompanhado os demais, pois nas salas anteriores sempre teve um número menor de alunos. Este ano a sala tem 40 alunos, agora 39, pois um foi transferido e 39 adolescentes em todo o seu vigor, para quem os acompanha todos os dias sabe que eles equivalem a muitos mais. Mas isso não seria problema, se quem leciona lá (como eu), não percebesse que o referido aluno tem tido dificuldades até para responder a chamada, pois não nos ouve chamar.
Conversando com a Diretora da Escola, Professora Maria Estela, sobre o problema e também a pedido da mãe do aluno, a mesma tomando por base o parecer médico do menino, o ECA, o PCN e outras leis, solicitou junto a Diretoria de Ensino de Registro o desdobramento da sala pensando no melhor para o referido aluno e também para os demais alunos que teriam mais qualidade de ensino e apredizagem.
Assim que o pedido foi realizado, a Diretoria de Registro, enviou uma equipe técnica, que num único dia conversou com o aluno e deu parecer contrário a esse desdobramento, relegando a segundo plano a solicitação da mãe, o laudo médico e a nossa preocupação, afirmando que o aluno consegue acompanhar normalmente a sala. E eu fico perguntando-me, que importância foi dada aos meus seis anos de trabalho diário com esse aluno se nem ao menos fui chamada para ser ouvida? E o trabalho dos demais colegas onde fica?
Solicitamos uma reunião com o Dirigente, que nos atendeu e diferente da primeira visita que nos fez ao assumir a Diretoria, quando eu o questionei sobre tamanho de salas e números de alunos e o mesmo me disse que o tamanho da sala não interferia em nada... Nesta segunda reunião já disse que o aumento de alunos nas salas era devido o tamanho das mesmas. E fiquei sem entender, pois quando eles querem pode, quando não querem não pode.
Sou efetiva nesta escola, há mais de 10 anos e percebo, que pelo fato de termos lutado para que a Escola Yolanda permanecesse com Ensino Fundamental e Médio temos sofrido punição por parte do setor de planejamento da mesma Diretoria, pois outras escolas do Município funcionam com números menores, bem menores, mas para a nossa Escola é sempre negado. Que lei é essa que só serve para alguns? Reclamamos ao Dirigente que nos sentimos perseguidos pela Senhora que dirige o setor de planejamento, mas segundo relatos ela diz que não tem nada contra nossa escola, que nem nos conhece (o que é uma inverdade) e nem sabe quem somos, ou seja, somos apenas insignificantes números. Essa não é a primeira vez, que isso acontece, nem a primeira vez que reclamo. E como disse no início, estou tão descrente, que acredito que vocês nem vão perder tempo lendo esse meu desabafo, mas se procurarem, vão ver que já passamos por isso outras vezes.
Hoje tivemos uma reunião e com base nos documentos recebidos pela Escola, com parecer contrário ao desdobramento da sala, decidimos reunir o Conselho de Escola e com o apoio dos pais da sala iremos até a Promotoria Pública para pedir ajuda. Quem sabe a Promotoria nos mostre na lei que tamanho de sala é mais importante que qualidade de aprendizagem. Aí sim, vou me dar por vencida. Não posso olhar-me no espelho depois de vinte cinco anos de serviço e sentir vergonha de ser Educadora e constatar que eu vivo uma mentira.
Agradeço a atenção e desejo que exista alguém aí que pense como eu. Uma coisa é sentar atrás de uma mesa e olhar planilhas repletas de números, outra; é estar anos a fio trabalhando com seres humanos e conhecer a verdadeira realidade.
Deus os abençoe, Professora Ione... Professora por escolha do meu coração e com muito orgulho, apesar de ser apenas um insignificante número para vocês.
Cananeia, 27 de fevereiro de 2013
Ione Rubra Rosa
PS: Meu Desabafo à Ouvidoria da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo nesta data.