Pétala carmesim - Ao Buh
Despertei atulhada de suor pelo sonho que me acompanhou nessa noite. Precisei tomar uma ducha fresca, não havia sol, mas o calor era insuportável por dentro. Vesti-me como se um novo evento me aguardasse, um banquete, quem sabe, mesmo que não tivesse chegado
nenhum convite. Estava bem disposta, não poderia ter nada a perder daquele momento à frente. Pronta, me arrastei rumo ao salão principal.
Passando pelos portais de alguns quartos ouço uma voz com toda sua sensualidade, percebi alguma declaração de entrega a outro ser, que delícia isso. Percebi que havia sim o sol, pelas gretas das imensas janelas ao fim do corredor que dava para uma escadaria que levaria rapidamente ao meu destino. A sonolência ainda me tomava por dentro. Vi os raios, que tão belos que davam vazão ao que acabara de ouvir sem intenção, um calor gostoso, não forte, mas havia luz intensa e firme, podia mesmo sentir a brisa da noite que havia mal ido embora saudando o dia, mas nada vi ali então bisbilhotei alguns cômodos próximos à procura de alguém. Sem exatidão procurei algo para beber na cozinha, enchendo uma taça do vinho que alguém havia deixado por ali. Ouvi um barulho talvez vindo do deposite, assustada por não esperar encontrar alguém num local onde quase não se vê pessoas fiz um desastre e respinguei pelo forro do balcão aquele líquido arroxeado, molhando também uma mão.
Deixei a taça e tentei ver o que era aquilo, procurei, mas nada parecia fora do lugar. Talvez fosse impressão. Mas não, assim vi a sombra negra de um gato tão negro quanto se
desviar por entre minhas pernas. “Ufa!”
Peguei minha taça e saindo acendi um cigarro fino e aromático, talvez para não incomodar alguém que passasse por mim, e acabei molhando um lado dele. Parte para a porta que dava direto ao jardim, me atentando a ela podendo perceber que alguém possivelmente acabava de sair. Ou...
Voltei então para a cozinha e peguei logo a garrafa que estava não muito cheia, mas via que já
havia tirado umas três taças do resíduo. Por mim tudo bem. Peguei também algumas uvas na mesa, e voltei para a porta, ali fiquei observando o nada e algumas flores a margem do caminho da pequena escada da entrada. Já sem uvas, virando a garrafa de instante em instante me vi espirrando. Estremeci. “Ora, és tu seu assanhadiço, que me fazes espirrar assim tão forte? ”
O bicho apenas grunhiu, como se respondesse em seus olhos fumegantes e patas ágeis.
“Espere, tu és... vejamos esses olhos... eras tu antes quem me assustava, não?!” Tentei pega-lo, mas me escapou facilmente dando saltos para dentro do jardim, então fiz dele minha
companhia do momento já que não encontrei ninguém pelo caminho, e o persegui inutilmente até o outro lado onde ele arranhava o chão e corria de um lado para o outro em meio a seus saltos. “há há há! O que queres de mim?! Assusta-me depois fugi, vem até mim depois escorrega de meu colo como se preferisse o chão, pouco depois me faz te buscar em outro canto me enganando novamente.”
Ele alvacento então desapareceu entre flores e folhas secas das miúdas árvores estampando suas sombras a sacudir e ali fiquei prostrada desenhando com os galhos na terra entre as raízes das árvores até que se fez noite, mal percebi o dia passar. Ali mesmo me fiz recordar os tempos mais recuados de minha história. Uma noite sem igual, incrivelmente cristalina iluminada pela lua que se mostrava quase rubra, enaltecia-se em seu glamour enfeitando as flores de um orvalho fresco dando força ao tom carmesim de suas pétalas, tão frescas quanto seu relento mais puro. Depois de deslumbrar toda aquela beleza voltei a meu quarto e para aproveitar a claridade do imenso astro no céu peguei um livro de poesias de Érico Veríssimo e voltei para o pé de uma árvore bem próxima ao jardim de dentro. Ali me fiz ler belas palavras montadas numa sintonia gostosa.
"Gota de orvalho
na coroa dum lírio:
Joia do tempo." Érico Veríssimo
Nesse passo fez silêncio e o vento soprou forte, enquanto virava a garrafa para mais um gole, e o sopro se balançou mais forte bagunçando meus cabelos fazendo ninho. Potencialmente ouvi o barulho do portão batendo, vejamos, uma criatura adentrava ao castelo se fazendo presença da noite. Parecia fascinada com tanta beleza que prostrava em sua vista. Seus olhos quase pálidos a me ver suspiraram, parecia um alívio, ou um desespero. Estava pronta para dar-lhe as graças de boas vindas, mas esta se fez seguir para mais a frente. Amansando minha curiosidade segui-a. Uma criatura indescritível; Alcancei-a. Arrastando o vestido e derramando fluidos do vinho restante debrucei lhe o olhar fixo. “Saudações!”.
E novamente se fez silêncio pardo.
Nessa hora apenas bateu mais um lance do vento forte que nos embaraçou de alguma forma, e ainda silêncio.
*Carta fictícia