CARTA DO SEBASTIÃO

Fevereiro de 2013

Querido irmão Zé

Espero que esteja bem. Não repare por eu ter ficado todo esse tempo sem me comunicar. Na verdade, como tudo que aconteceu comigo foi muito rápido, sem aviso, pensei que você pudesse estar chateado. Também, nem um tchau! Fiquei em dúvida.

Aqui onde estou, comecei a estudar novamente, e essa carta é um exercício de classe.

Antes de tudo, devo-lhe confessar que Deus foi muito bondoso comigo! Às vezes fico imaginando se mereço estar nesse maravilhoso lugar. Aqui tudo é belo, campos verdejantes, ar refrescante, um clima de paz, sossego total! As pessoas nem parece andar, flutuam!

Mas, não é bem esse o motivo que escrevo para você! Quero falar de nós, de nossa família, dos bons momentos que juntos usufruímos. Relembrar dos tempos de sua infância, dos primeiros chutes que lhe ensinei, naquele corredor entre nossa casa na Guilherme Marconi e a dos Bramante, ainda com bola de meia, e depois, com a de borracha. Sempre fomos bons irmãos, se bem que, em certas ocasiões, você vinha me dar pontapés na canela, quando eu não fazia suas vontades. Lembra-se dos domingos, quando nos reuníamos para o almoço, nós todos, a Mamãe, o Papai, a Nona Filomena, o Valde, a Guiomar, e o Roberto, e muitas vezes o tio Vicente, a tia Soledad, o Miro, o Chico e a Nice? Acabado o almoço, começávamos a cantar as canções napolitanas do Gigli, do Lanza, Schippa e tantos outros... Depois, quando me mandaram para o colégio interno em Campinas, em minhas férias, quando elas estavam por acabar, a choradeira cantando Mamma! Lá em Campinas, naqueles domingos em que você, a Mamãe, o Papai e o Roberto iam me visitar, levavam a comida e fazíamos pic-nic embaixo das árvores. Não me lembro de o Valde e a Guiomar irem. O colégio era uma verdadeira fazenda, com árvores frutíferas, gado, e apanhávamos tamarindos e outras frutas, escondidos dos padres. Não vou dizer que aquele tempo foi um castigo para mim! Tinha os bons momentos, pois, louco pelo futebol, vivia jogando! Eu era craque. Mas foi duro me afastar da família! Quatro anos! O bom, também, é que fiz muitas amizades, como o Clóvis Thon, o Xandú, o Chico, os mineiros, Luciano, Marco Aurélio, o Carlos da família Faria.

Quando voltei para Santo André, já com a Mercearia Dom Bosco, que bom! A Mercearia foi um capítulo à parte. Você vindo do colégio interno, nas férias me ajudava a servir no balcão, e nas entregas domiciliares, na Casa Publicadora, na residência do Santinho (Sócrates), amigo do Papai na Prefeitura. Lembra-se das balinhas, do sorvete da Neide? E quando você ia pro colégio, a Mamãe enchia uma mala de chocolate, latarias, e outros comes, porque você não gostava da comida de lá?

Fala a verdade, era um tempo tão gostoso, não? Ia me esquecendo das vezes que fomos para Torrinha, na fazenda dos Tombolato, com o Tunicão. Era demais a Fazenda Paraíso! Foram momentos inesquecíveis!

Aos domingos, indo jogar pelo Flamenguinho, pelo Rhodia, pelo Flor do Mar, sempre levando você a tiracolo. Mais tarde, você já com uns dezesseis anos, jogamos juntos no Flor do Mar e no Palestra da Vila Sapo, com o Eurico, o Tchalau.

Bem, acho que estou me estendendo demais. Sobre meu casamento com a Vilma, o nascimento de meus filhos Zé Carlos e João Paulo é um assunto que fica para depois. E, do seu com a Iara, vindo o Té, o Cuca, a Pati e o Felipe, também. Nem fale para eles que escrevi. Apenas, queria recordar os nossos velhos tempos, das noites ouvindo o Morais Sarmento na Bandeirantes, antes de dormir.

Ah! Não posso esquecer-me do nosso time do coração o Tricolor do Morumbi, que lhe ensinei a gostar. Eh! São Paulo F. C., o Mais Querido! Quantos Pacaembu e Morumbi!

Estão me chamando. Vou me despedindo. Puta merda! Vai fazer dez anos que parti! Que papelão que aprontei! Nem disse adeus. Mas, não tive culpa, não esperava acontecer daquele jeito!

Não pude fazer nada! Desculpe-me! Amo você!

Saudades!

Sebastião

OBS – Ficção. Sebastião partiu em 04/06/2003. Infarto fulminante

num supermercado!

Aristeu Fatal
Enviado por Aristeu Fatal em 25/02/2013
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