CARTA AO JUVÊNCIO

Estimado amigo Juvêncio:

Bem sabes que faz algum tempo que não colocamos as conversas em dia! Sinto saudades dos mates que tomávamos à sombra da figueira, sempre com um assunto relevante, onde falávamos desde as novidades da vizinhança até as questões referentes à política internacional.

Contigo, meu amigo de infância, sempre me senti à vontade para prosear, tanto no mate, como tomando uma "canha", fazendo um churrasco ou tudo ao mesmo tempo.

Tua sabedoria de homem do campo, simples e sincero, me ajudou bastante na minha caminhada, até "doutor" eu me tornei e sempre te admirando pelos ensinamentos que me destes e continua dando, seja quando conversamos, seja quando trocamos estas cartas que as chama de missivas.

Lembro com grande nostalgia quando, ao entardecer, depois de enrolar um cigarro de fumo em rama puro, com um pé no aramado do parapeito e outro no solo, sentenciavas: "amanhã vai chover", "parece que vai fazer seca", "a terneirada este ano começa a sair mais cedo da vaca", "se não cair geada na primeira semana de abril, o milho do tarde se escapa" etc.

Outras vezes, depois da janta, tomando um café e saboreando o seu cigarro, enfrentava filosofias mais profundas, como quando me dissestes: "um homem de verdade acredita no que fala, nada teme e somente se submete a Deus!"

E o Senador, teu cusco de estimação, como vai? Já deves tê-lo vacinado este ano contra peste.

E a Maria Rosa, tua eterna prenda, fazendo as delícias que somente ela sabe fazer na cozinha? Diz a ela que estou com saudade do feijão com charque com arroz branco temperado com alho.

As tuas crianças as vejo aqui pela cidade, pois as duas estão na faculdade. Que bom! O que não deve ser bom é a solidão de vocês dois aí na campanha. Só imagino!

Mas, gostaria de trocar algumas idéias contigo e, como não posso ir até aí em seguida, o farei por mais esta missiva.

Tchê, parece que Deus está com raiva de muita gente aqui da terra. Não te parece o mesmo?

Aquele meteorito lá na Rússia. Imagina se fosse um meteoro inteiro?

Isto para não falar nas tragédias aqui da volta mesmo.

Pensa bem aquela gurizada lá de Santa Maria, toda em diversão e terminar daquele jeito. Dizem que a culpa é do sujeito que largou o tal de sinalizador dentro de casa. Outros dizem que a casa não tinha licença pra trabalhar. Outros dizem que o proprietário é um figurão e a coisa vai ficar assim mesmo. O que achas, Juvêncio?

E o Papa, criatura, renunciou, dizem que faz 600 anos que não acontecia uma situação dessas. Uns dizem que é para o bem da Igreja, outros que é por motivo doença - João Paulo II ficou até a morte, mesmo muito doente - outros que é pela corrupção - mas até na Igreja tem isso? Já outros dizem que é influência da máfia, sim porque a antiga máfia siciliana e a calabresa que apoiavam a Santa Igreja, os juízes da Itália aniquilaram, sobrando essa que faz miséria até no Vaticano.

Ah! Juvêncio velho de guerra, gostaria muito de estar aí para conversarmos.

Mas tem outra, esta aqui de pertinho, viste que o novo Prefeito agora quer mudar o trânsito de Canguçu? Mas justo agora que estava tudo certo? Não teriam outras coisas mais importantes para se ocuparem?

Não sei não?

Parece que o mundou mudou demais. Umas mudancinhas até se aceita, mas tudo isso ao mesmo tempo é brabo.

E as tais de torcidas organizadas? Nem um futebol se pode ver tranquilo, pois sempre é possível uma tragédia provocada por esses marginais com camisetas de um time ou outro. Que barbaridade aquele guri que mataram lá na Bolívia!

Pois olha vivente, às vezes fico pensando cá com os meus botões, quando mateio ou quando tomo uma cerveja, sobre tudo isso e sou invadido por uma angústia enorme, pois ainda estou terminando de criar três dos meus cinco filhos. O que será que vem aí por diante?

Bueno, finalizo enviando um abraço bem grande a ti e um beijo à Maria Rosa.

P. S. Quando for até aí levarei um presente para o Senador, cusco danado de bom! Dá um abraço para os vizinhos.