A CARTA QUE NÃO ASSINEI

Todas as vezes que penso em ti, lembro aquela tarde. Sentada na minha cama, eu penteava seus cabelos longos e loiros. Sorrindo, comentavas:

—Meus cabelos podem até não ser os mais bonitos, mas, com certeza, são os mais cheirosos.

Realmente a fragrância de maçã verde era sua. Ninguém mais cheira tão bem como seus cabelos e você. Os seios, não lembro, nunca, de ter visto mais perfeitos. Sua pele branca, com as sardas teimosas, uma harmoniosa combinação de filha de Alemão com brasileira, queijo quadrado, como eras bela, cheia de vida!

Admirava você, sua dedicação, carinho. Fazias uma bonequinha, com carinha sardenta, cabelos presos no alto da cabeça, nariz arrebitado, fazias rapidamente, em qualquer papel, e do acabamento saia o teu delicado nome, Rosinha, bem que tentei, mas nunca fazia igual.

Com você aprendi a ter vaidade, ser dócil, mulher, éramos confidentes, muito amigas, e por você também chorei, sofri, com o ciúme explicito do teu marido, ele não entendeu nada de você, não sabias que você era o sol, aonde chegava chamavas atenção, tua beleza era irradiante, sua simpatia a todos conquistava, seu sorriso, não passava despercebido.

Choramos juntas a emoção de você ser mãe. Nas festas de final de ano, fazíamos tudo: era a sua despedida. Agora, serias a dedicada mãe da Clara, como você a chamava.

Após a maternidade e sendo você a dedicada mãe, não tínhamos mais tempo para tomarmos banho de sol, mas sempre conversávamos sobre tudo.

Foste a primeira a saber que eu estava grávida e me deste bons conselhos, e lá mesmo, entre lágrimas e medo, te candidataste a ser madrinha da minha filha. Teu marido, na qualidade de convidado, me levaria até o altar, para o matrimônio e vocês seriam os padrinhos de casamento e batismo. Sentir-me forte, corajosa, falavas a mim, que nunca me deixaria faltar nada. Estarias sempre ao meu lado, até nossas casas seriam lado a lado.

Casei, nasceu minha filha, por coincidência, o dia do teu aniversário. Foi tudo festa!

Nas fotos do batizado, vejo agora que o teu sorriso já não era mais o mesmo: estávamos um pouco afastadas. Agora você trabalhava e estudava. Não me parecias mais feliz. Tinha medo de perguntar por que andavas tão angustiada, insegura.

Cortaste os longos cabelos; agora eles estavam ao ombro, ainda loiros, mais sem brilho.

Você estava tão magrinha... falei até pra que parasses a dieta; me respondeste que não era dieta, era desgosto.

Puxa, logo você! Não conseguia imaginar alguém magoar você. Quem faria isso? Eras tão bela, dócil, meiga, amiga, verdadeiramente apaixonada pela vida de casada. Eras bem jovem. Afinal, tinhas apenas 28 anos.

Fiquei supressa na aquela manhã de sábado, quando, muito cedo, bateste à minha porta. Estavas triste e insegura. Falaste-me que irias viajar de férias, ocasião em que me pediste pra tomar conta do teu terreno que era ao lado do meu. Falei que sim, com muito zelo. Olhei nos teus olhos e senti teu nervosismo, mas não pudemos conversar, não estavas sozinha.

Viajaste! Quiseste ir de ônibus, seria a primeira vez: somente você e tua filha. Ninguém entendeu porque quiseste assim, nem eu. Poderias ter ido de avião. Seria mais rápido e confortável. Fiquei a pensar: que pensamentos povoavam tua mente nesse retiro solitário?

Foi a ultima vez que te vi com saúde. Nunca mais vi aquele sorriso, aquela alegria.

Chegaste no Rio de janeiro e de lá foste direto para o hospital. Sofrimentos, um após o outro. O diagnóstico errado, operação desnecessária e a luta pela a vida.

Voltaste após seis meses, agora sem brilho, sem sorriso, sem os seus lindos cabelos, motivo de tanto orgulho para você. Mas ainda eras bela, com tua carequinha. Não resisti e te beijei, ato seguido de um longo abraço.

Sem palavras, não sabia mais o que te dizer. Não havia consolo; eu sofria juntamente com você.

No teu sorriso forçado, me falaste que havias voltado para arrumar tua casa. O marido estava sozinho e a filha sentia tua ausência. mas que só irias passar 40 dias, pois foi o prazo do médico. Foi a última vez que te vi. Retornaste precipitadamente, após apenas 15 dias, e nesse tempo eu não tive a oportunidade de te falar o quanto eu te amava.

Hoje, passados quase 10 anos de tua ausência, ainda sinto saudades. Você é desses anjos que vêm, passam e deixam marcas. Você é inesquecível!

Sabe por que lembrei tanto você hoje? A culpa é do teu cheiro: xampu Floreal de maçã verde. Tenho-o sempre em casa, mas não uso. Afinal, não ousaria cheirar a tua fragrância preferida. Este é eternamente o cheiro da minha amiga e irmã... Rosinha.

Dilene Moreira
Enviado por Dilene Moreira em 12/03/2007
Código do texto: T409698
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