Ficção real
E como naqueles filmes de ficção onde você acorda em um certo dia e toda a sua cidade está infestada de zumbis. Ou então, você acorda nesse certo dia e todos sumiram. Só que aquele dia amanheceu pior. Acordei, e estava tudo simplesmente igual. Tudo, exatamente onde eu havia deixado. A caneta estava jogada no chão, e os livros continuavam na mesma desorganização do dia anterior. Quando eu saí pela porta, ela continuava fazendo o mesmo barulho impertinente. Mas havia algo lá fora... As pessoas. Não. Não havia nenhuma epidemia e ninguém havia sumido. Estavam todos lá, indo para a mesma direção do dia anterior, entrando e saindo dos ônibus, indo ao trabalho atrasados, ou muito adiantados... Continuava o mesmo caos de sempre, como todo dia. Exatamente como todo dia. E era esse o problema, era exatamente isso que havia de errado. As pessoas, dia após dia, não mudavam. Apesar de estarem em constante mudança, elas mudavam exatamente do mesmo jeito que mudavam a cinco ou vinte anos atrás. Elas mudavam, todas ao mesmo tempo, e se tornavam exatamente iguais. Eu atravessava a rua, e via rostos diferentes, mas ainda assim, pessoas iguais. Eu cruzava a esquina, e não encontrava nada além de cópias. Umas ruivas, outras loiras, mas todas absolutamente iguais. Com os mesmos defeitos, com as mesmas qualidades, com os mesmos problemas. E no meio desse caos de cópias apressadas, no meio dessa confusão de pessoas diferentemente iguais, uma me chamou a atenção. Era minha imagem refletida me olhando nos olhos pelo vidro de uma loja de CDs. Ela tinha o mesmo defeito que eu havia encontrado em todos os outros olhares na rua. Ela tinha olhos vazios, porem pesados. Ao mesmo tempo em que estava presa naquela vida, naquele corpo, naquele reflexo, naqueles dias, naquele trabalho, sua única qualidade era também seu único defeito: O desejo que ainda lhe restava de fugir.
Como eu havia dito, são cópias. Meu reflexo não passava de mais uma cópia daquelas pessoas. Quando eu olhava em seus olhos, me dizia exatamente o que eu temia e repugnava em todos os outros olhares. Eles me diziam claramente, que precisavam ir embora. “Ir embora” é o que as cópias espalhadas pelo mundo fazem. Todas elas, por mais diferentes que sejam, são extremamente iguais em sua essência: Elas sempre vão embora. Até mesmo eu.