Carta à minha irmã
“Desculpe-me irmã, por não poder dizer-te pessoalmente, acredito que agora, por estar lendo esta carta, encontro-me em outra dimensão.
Foram dias horríveis, estirados em meio a lama: corpos de vivos, corpos de mortos. Não sabíamos se o sol brilharia em nossos olhos mais uma manhã. As vezes desejava a morte, as vezes perdia até a vontade de desejo.
Pensava se veria-te mais uma vez, doce irmã, única em minha vida, duquesa de meu império; singela e calma como o entardecer, trouxe a alegria de volta à minha vida. Cuidei de você como o pai cuida de uma filha, retribuiu-me com teu amor, que já me era o suficiente.
Por que há de ser assim? Tua foto comigo levara, para onde quer que eu fosse você estava presente, não só na lembrança, mas, também, no coração. Volto a contar-te sobre meus dias; noites horrendas: medo, dor, perigo, ali expostos a tudo e a todos, lutando pela sobrevivência, não, apenas, contra os inimigos, mas contra suas condições.
Tornara-se comum ver amigos suicidarem-se; delírio, loucura, tudo ali transfomara-se em sinônimos. Descrentes da vitória, a guerra já era uma luta de todos contra todos, uma luta pela própria sobrevivência. Confesso-lhe que eu mesmo já quis suicidar-me, mas a vontade de encontra-te mais uma vez reinou sobre mim.
Um dia, cabisbaixo, recolhia-me às trincheiras, deparei-me com os inimigos, vi o medo em seus olhos, acredito que eles viram o mesmo nos meus, pensei que seria o fim, aquela era a hora da morte, enganei-me; estavam mais delirantes que eu, passaram como se ninguém estivesse ali, eu fiz o mesmo, para que lutar e correr riscos? Era adiantar a morte.
Desde que vim para este lugar não consigo dormir, quando fecho os olhos um filme de terror passa em minha mente, acordo assustado, tornou-se uma rotina comum entre todos, acredito que seja.
Hoje completa-se exatamente 1 ano e 3 meses que estou longe de você minha querida, não sei quanto tempo mais suportarei este inferno, somos obrigados a nadar neste mar de sangue; penso, o pensar somente, no dia de nossa liberdade, o dia em que voltarei para a casa.
Esta noite serei “coruja”, como aqui são chamados aqueles soldados que por toda a noite fazem guarda. Não acredito ser o melhor para isto, porém poço manter-me acordado sem muito pelejar. Volto logo ao amanhecer, para esta carta poder continuar.
Minha amada irmã, não digo-te essas coisas para tristeza sentires, quero que saibas o quanto estou sofrendo, mas resistindo para poder ver-te novamente, o amor que sinto por você, adorável irmã, vou carregar comigo para sempre, por além da morte se estende este sentimento, nunca esqueças-te disto.
Meu anjo, você é muito especial para todos, encantadora e delicada, não deixe que meu, possível, fim abale-te de alguma forma, pois saiba que até a morte é melhor que viver aqui e ainda longe de ti.
Se acaso não voltar a escrever, não penses que simplesmente morri, penses que parti para um lugar melhor, lá estarei mais perto de ti, penses em nossos momentos felizes, em todo amor e companheirismo dedicado um ao outro, penses simplesmente que existi e que fiz-me existir, mas se acaso voltar, trarei mais palavras, palavras novas, experiências novas, pois agora, meu tempo é pouco, mas lembre-se: você sempre estará comigo e eu contigo.”