Estávamos em férias ... continuação 44a. carta "Reações importantes... meu filho estava começando a dar respostas"

O meu marido fala todos os dias, na hora de dormir: - “filho, cada dia é uma vitória”.

Um desafio havia sido “comprado” pela fonoaudióloga Thalita que estava fazendo especialização em Neurologia. Vencida a fase de “disfagia” que é ter controle da deglutição, engolir, mastigar, engolir sem engasgar, e portanto, voltar a comer, uma nova etapa se iniciava - a “linguagem” - que iria ajudar meu filho a se comunicar, e também voltar a falar.

Isso eu já deveria ter escrito, pois foi bem anterior a ele começar a escrever, mas são tantas coisas que eu vou me lembrando para relatar que peço desculpas por essa falta de seqüência.

Ela iniciou os trabalhos com os exercícios convencionais na fonoaudiologia, massagens faciais, estímulos orais, visuais, táteis. Respostas, nada além de piscadas de olhos.

Nada parecia ser entendido! Nada parecia ser interpretado! Nada parecia ser estimulo!

Concluiu-se, na época que não adiantava fazer os exercícios de praxe na fonoaudiologia para a linguagem, já que nosso filho não tinha respostas, permanecia indiferente a tudo ao seu redor.

E a fonoaudióloga se viu diante de um desafio: como trabalhar a linguagem com alguém que somente pisca os olhos, e ainda quando queria. Isso deixava a gente em uma dúvida cruel: ele não piscava porque não dava conta? Ou porque não queria responder? ou...? ou...? ou...?

Então, ela nos pediu autorização para discutir o caso do Róger no grupo da sua especialização em neurologia no Rio de Janeiro. Nossa!!! Ficamos muito felizes e cheios de expectativas.

A cada módulo ela chegava com novas opções. E não eram opções convencionais. Tratava-se de novos caminhos para ajudar o nosso filho a sair dele mesmo.

Ele estava aprisionado dentro dele mesmo.

Nós confiávamos em Deus e sabíamos que Ele estava no controle. Nós esperamos em Maria, na sua bondade. Eu havia entregado meu filho para “ela” cuidar, naquele dia, ajoelhada no asfalto, quando eu vi meu filho deitado sob o carro, tentando respirar. Por isso eu precisava confiar em Maria. Mãe de Deus. Nossa Mãezinha do céu.

Então a fonoaudióloga iniciou uma maratona. Um tiro na largada. Sabíamos de onde e quando tínhamos saído, mas não sabíamos onde e quando chegaríamos.

E assim seguimos. Comemorando cada pequena e importante vitória.

Os estímulos deveriam fazê-lo reagir. Cedo ou tarde? A gente não sabia.

Confiamos plenamente na Thalita. Defendíamos a sua atitude profissional entendendo que era o caminho, que era uma luz no fim do túnel.

Não era fácil acompanhar esses exercícios diários, pelos sentimentos que afloravam ao ver nosso filho indiferente, sem reação de defesa perante os estímulos, assim prefiro dizer. Compreendemos que não tínhamos outra opção. Na verdade ele não tinha outra opção.

Bacias de água, uma quente e outra com gelo. Bacia grandes para os pés. Bacias pequenas para as mãos.

Uma da cada vez, alternadamente. A atividade era planejada e repetida sistematicamente.

Vieram os exercícios de cheiro e sabor. Envolvia amargo, doce, salgado, ardido, azedo, quente, frio, cheiroso, fedido. Tudo que tivesse cheiro e sabor característico foi usado para ajudá-lo a expressar alguma coisa. Apreciar ou rejeitar. E cebola, alho, pimenta eram indiferentes. Ele comia e aceitava como se fosse “o chocolate”.

Prendedores de roupa no varal, presos nas orelhas, nariz, lábios. Segundos de dor pela pressão, sem nenhuma reação.

Gelo dentro da camiseta. Da fralda. Nada.

Brinquedos com luz e sons, sirenes, apitos, controle remoto.

Nessa fase os brinquedos do nosso neto foram a solução. Ele falava:

- “Taita, vou empestar po tio Óger”.

Dias. Semanas. Meses.

As atividades eram seqüenciadas e programadas. Condição “sine qua non” para ocorrer a neuroplasticidade. Havia um limiar pequeno entre o despertar e o acostumar. O estímulo tinha que ser no tempo certo, na hora certa e na intensidade certa. Se acostumasse, deixaria de ser estímulo.

E assim os estímulos continuados precisaram de tempo para funcionar. Até que ele tirou a mão direita das bacias e ainda sacudindo. Foi uma alegria!

Lágrimas dos olhos do Adirceu, nosso bondoso técnico de enfermagem da época. Lágrimas nos olhos da nossa Marilza. Lágrimas nos nossos olhos. Lágrimas de alegria e de gratidão.

A mão esquerda começou a ser retirada pela mão direita.

Os pés! Ahh os pés. Primeiro, o direito retirado com muita força e energia daquelas bacias quentes e geladas. Demorou muito para o pé esquerdo ter a intenção de sair. A ajuda vinha das nossas mãos e sempre acompanhadas pela profissional. Obrigada, Senhor!

A mão direita começou a ser levada para o local, nariz, boca, lábios e orelhas, que estava sendo pressionado. Primeiro apenas um abano. Como se fosse espantando uma mosca. Depois a nítida intenção de tirar os grampos. A indiferença da dor causada pela pressão dos grampos de roupa estava sendo substituída pela ação de eliminar o ponto doido. A ação de eliminar a dor foi somada ao gesto de empurrar o individuo provocador, ou seja a Thalita. Até tentar prender o grampo nela o meu

filho chegou a fazer, semanas após a tentativa de espantar a dor, como se fosse uma mosquinha. Que evolução, meu Deus!

Os brinquedos gemiam, giravam, gritavam, piscavam, iam e voltavam, batiam, faziam cambalhotas e... nada... indiferença total.

Um olhar... uma virada de cabeça... uma tentativa de pegar... dias indiferentes... dias sonolentos... novo olhar... nova virada de cabeça... nova tentativa de pegar... pequenas reações intercaladas pela indiferença.

Momentos de indiferença e cansaço... reações... reações de curiosidade... de incômodo... de memórias... era alguma resposta. Já bastava. Algumas respostas eram indicadores de progresso.

A Thalita estava no caminho certo. O nosso filho estava começando a sair de dentro dele mesmo. Os progressos não pararam por ai. Lentos, mas constantes.

“Não desanimeis, embora venham ventos contrários” – como dizia Madre Paulina.

Rosa Destefani
Enviado por Rosa Destefani em 19/11/2012
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