Página em branco
Diante de mim, o retrato de como me sinto agora: uma página em branco, ávida por novas emoções, desejando, acima de tudo, esquecer. Evito pensar no que vivi, nego qualquer lembrança de nós, luto para não escutar teu eco, que invade meu cérebro como droga, arrastando-me a tantas memórias.
Diante de ti, o que signifiquei? Gostaria apenas de saber, simplesmente. Não aceito desconfiar, imaginar, preciso saber, pois, para mim, mudanças se baseiam em certezas. Mesmo assim, antes indecisa entre ficar e partir, ainda lembrava do teu olhar, que sempre me falou mais do que tuas palavras; esse olhar que nunca vou esquecer, esse olhar de menino, que será uma lembrança só minha.
Aliás, há muitas outras lembranças: o primeiro beijo atrapalhado, as risadas naquela noite chuvosa, o abraço afetuoso, a descoberta de uma sintonia que assustava, porque conhecias meus caminhos e, muito antes de mim, sabias como explorá-los. A fala era desnecessária, a memória afetiva gritava; numa troca de olhares, nos reconhecemos desde o primeiro encontro; para mim, foi bem mais claro,consciente, pois te esperava há muito; para ti, foi uma surpresa, com tamanha cumplicidade que te pareceu inaceitável.
Ninguém poderá roubar-me o que ficou de ti, nada poderá apagar tantas memórias; resta somente conseguir forças para neutralizá-las, a ponto de que teu toque torne-se uma vaga lembrança e teu cheiro não me acompanhe mais. Desejo guardar tuas carícias num canto profundo e inacessível, onde eu só possa voltar quando tiver condições de relembrá-las...
E sabe o que mais dói? Sei que eras tu que eu chamava em pensamento, era para ti que eu dava boa noite e um beijo nas orações antes de dormir. Era teu corpo que eu desejava, era teu o beijo que aguardava, inconscientemente, todos os dias, até nos conhecermos.