Estávamos em férias ... continuação 42a. carta "Um desabafo - diante da postura de um profissional"
Esta semana fiquei entristecida diante da postura de uma pessoa, da área de saúde. Logo no segundo dia de atendimento a pessoa chegou verbalizando que achava que o paciente – meu filho -não iria responder aos testes, mas que não teria problema, que voltaria no final do ano que vem (2013) aplicar os testes. A finalidade era avaliar o grau de cognição do meu filho. Cognição = conhecimento. Grau de conhecimento, tempo de resposta, entendimento, memória, raciocínio, lógica, coerência, etc.
O primeiro teste envolvia figuras geométricas. O meu filho juntou dois triângulos, depois juntou um quadrado e um triângulo e mexeu nas peças, somente com a mão direita, pois a esquerda ele ainda não mexe.
Juntar duas peças poderia significar tudo? Ou nada? Aos nossos olhos – mãe e pai – ele fez a tarefa. Aos outros profissionais, não.
A minha tristeza envolve a forma de conversar com a família. A gente está há quase três anos cuidando do nosso filho, sabendo da gravidade, e que precisaria de, no mínimo, dois anos, para começar a ter alguma resposta. De fato, o acidente foi em 2010, e somente agora, em 2012 que ele está apresentando melhoras significativas, que estou relatando nas minhas cartas.
Então, essa pessoa chega, dá umas peças para ele, e avisa antecipado que pensa que ele não vai responder. Depois do teste, confirma:
- viu? Ele não respondeu mesmo! É assim mesmo. Não tem problema não! Eu volto no final do ano que vem (2013), e se ele ainda não responder, eu volto no próximo ano (2014).
Meu Deus! A nossa sorte é que tivemos muitos profissionais que compraram essa luta conosco e trabalharam duro, de domingo a domingo, sem esperar nenhuma resposta imediata. Plantaram para colher depois. Agradecida a Deus e a eles.
A reabilitação neurológica dá trabalho e precisa ser integrada na fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, neuropsicologia, enfermagem, família, cuidador, técnico de enfermagem, enfermeiro, e médicos nas suas diversas especialidades.
Cheguei a uma conclusão: se não entender de neurologia o profissional não consegue ajudar e reabilitar uma pessoa.
Se a família não entender os princípios de reabilitação atrapalha ou impede a recuperação.
Vejam uma comparação: as unhas do meu filho estavam encravando, talvez pela força que fazia, talvez pela sensibilidade da pele, de forma que toda vez que eu as cortava acabavam inflamando. E eu cortava a unha reta.
Chamei uma manicure para cuidar das unhas. E ela se ajeitou para fazer seu serviço e eu tentei acomodá-la da melhor forma para atendê-lo deitado. Durante o atendimento ela comentou: “eu acho que ele tá gostando do meu trabalho, não mexeu nenhuma vez, não puxou o pé”.
- É verdade, moça. Não mexeu mesmo.
O que eu ia falar para essa moça? Ele não mexia mesmo as pernas, nessa época, nem a mão direita. Na sua simplicidade, a moça, observou que ele não mexeu os pés durante o atendimento e associou com a leveza das suas mãos. Simplesmente concordei. O trabalho foi mesmo bom, as unhas não inflamaram. Agradecida fiquei. Era uma manicure, acostumada a trabalhar com pessoas que vão ao salão.
Agora, o que nós, mães e pais podemos falar para profissionais de saúde que se constrangem diante de um rapaz em cadeira de roda, indiferente, sem movimentos, sem respostas que chega a seu consultório para fazer um exame nos olhos? Uma ultrassonografia abdominal? Um eletrocardiograma? Um hemograma?
Um deles simplesmente pediu para colocá-lo na frente de um aparelho sentado em um banquinho, totalmente indiferente que ele ainda não tinha nenhum controle do seu tronco. Não ficava sentado. Não ficava em pé. Então, o profissional ficou sem saber o que fazer.
Outro avisou-nos que o exame não ficaria completo, pois necessitava examiná-lo em outra posição. Nós nos olhamos e perguntamos como era para ficar e arrumamos nosso filho na maca, para completar o exame. Será que ele achou não podíamos virar nosso filho de posição? Não sei, sinceramente. Por pouco o exame não fica incompleto.
Em outro consultório ficamos esperando um tempão, até que fomos perguntar se ainda ia demorar muito, pois nosso filho deveria ter prioridade.
Outro atendente de laboratório queria que ele tivesse a bexiga cheia para que fizesse a ultrassom abdominal.
O rapaz para coletar o sangue queria que ele fizesse força na mão esquerda para poder pegar a veia.
Gente, na hora cheguei a pensar que meu filho foi o único ser humano em uma cadeira de rodas que chegou a um consultório ou laboratório para ser atendido.
E ele está um rapaz lindo, forte, corado. O meu filho foi agraciado, abençoado por Deus, que o poupou de deformidades físicas. Nenhum membro atrofiou. As manchas no rosto do lado direito desapareceram.
As lesões estão quase imperceptíveis, da cor da sua própria pele. As regiões queimadas das pernas estão começando a ter pelos. O cabelo cresceu, lindo como sempre foi, escondendo as cicatrizes cirúrgicas e as placas de titânio colocadas para refazer seu crânio. Nenhum dente foi quebrado.
O que será que acontece quando crianças, jovens, idosos, adultos visivelmente deficientes precisam de atendimento?
Não sei dizer a razão do espanto dos profissionais. Espanto... surpresa... uma outra palavra talvez, poderia definir essa imobilidade? Não perguntei. Nem irei perguntar caso aconteça de novo. Graças a Deus eu e meu marido simplesmente tentamos resolver a situação da maneira mais simples possível, sem gritar, sem xingar, apenas fazer o temos de fazer e pronto.
Presumo que seja por desconhecimento da neurologia. Das possibilidades de reabilitação. Do tempo para se refazer.
Sempre penso que um bebê ao nascer, já esperou 9 meses. Depois um ano para comer, andar, depois um ano para correr... e o corpo está programado para o sucesso. E o cérebro está de vento em popa, naturalmente, sem cicatrizes, comandando tudo, reagindo aos estímulos, aprendendo.
Mas, a vida para ser reinventada, certamente precisará de mais tempo.
Foi só um desabafo. Foi só um alerta. Eu tenho certeza da melhora do meu filho, dentro do tempo dele. Dentro de tempo de Deus.