Estávamos em férias ... continuação 41a. carta "E meu filho escreveu pontos de interrogação"
Na tela branca as interrogações desenhadas. Perfeitas. Com pontinho e tudo. Quase uma dúzia deles.
Na tela branca, riscos, que pareciam bolas, que pareciam serras, que pareciam “x”, que pareciam “traços”, que pareciam letras, que pareciam palavras. E que pareciam frases, confusas, ilegíveis.
Um dia pedi para ele escrever algo para mim, e escreveu: “não”. Punha ponto final e sublinhava.
- Filho, escreve alguma coisa para mim, por favor!
A resposta apareceu “não”.
- Não??? Não, filho? Você não sabe escrever? Você não quer escrever? Responde, vai! Eu preciso saber o que você está pensando, o que está precisando. Para poder te ajudar, filho.
“Não”. Escrevia. Eu apagava. E ele escrevia vários outros “nãos”.
Tanto insisti que ele escreveu “silêncio”.
- Silêncio??? Ai, guri! Eu não acredito! Ai filho, “silêncio”??? Fala para mim o que significa?? Pisca os olhos para mim, duas vezes, eu vou falar devagar:
1 - você quer silêncio?
2 – você está em silêncio?
Nada. Nenhuma resposta. Nenhuma piscada de olhos. Somente novos
“nãos” na tela branca.
“Tchau”, escreveu para a fonoaudióloga outro dia. Ela estava trabalhando com ele e já cansado escreveu “Tcau”, fez um movimento como se percebesse que faltava alguma coisa e escreveu ponto de interrogação em seguida.
A fonoaudióloga perguntou para ele: Róger, você escreveu tchau para mim? Você quer que eu vá embora? Umas piscadas confirmaram. E ela escreveu TCHAU na tela, muito alegre, embora tenha sido dispensada. Era um bom sinal.
Outro dia. Respondendo a meus insistentes pedidos ele escreveu: “Oi”. .“Oi”. “Oi”. Depois “oi mãe”. Quase morri do coração, de alegria. Nessa fase ele escreveu várias palavras que tinham mais sentido. “To fazendo nada”. “o que foi?” “Amo”. “Amor”. Mãe”. “Pai”. “Obrigado”.
Engraçado, mas a palavra “Sim” demorou para aparecer. E a gente podia pedir para ele escrever “sim”ou “não” para responder uma pergunta.
Era final de 2011. O importante era que o meu filho estava tentando se comunicar e que estava conseguindo acessar sua memória. A gente não sabia o tanto, mas tinha memória preservada.
E não parou por aí. Começou a escrever frases sempre que a gente pedia. Por um período escreveu com letra pequena, muito pequena, a gente não compreendia. Escrevia amontoado. E começou a demonstrar falta de vontade para reescrever. Começou a apagar com os dedos da mão o que tinha escrito ou apagar com o próprio pincel, riscando. Ou simplesmente largando o pincel e/ou empurrando o quadro branco.
Palavras que podiam significar tudo e nada. A gente não sabia. Era cedo para tirar conclusões precipitadas. Registramos cada etapa, cada tentativa fotografando, filmando.