Cárcere de lembranças

Outubro/2011

Estou sofrendo muito!

Minha vida está tomada por uma grande e eterna melancolia. Tenho tentado ser otimista ao esperar o amanhecer dos dias, esperando que alguma coisa diferente possa acontecer. Nem boa, nem ruim. Diferente apenas.

Percebo então que ainda estou naquele tempo. Encarcerada nas lembranças, no tempo em que nos amávamos, naquela casinha em que fomos infinitamente felizes, como jamais se possa supor que alguém venha a ser num belo quarto de uma casa ou apartamento luxuoso. Você mesmo dizia que era ali que você era feliz realmente. Sim, naquela casinha que tinha o tamanho da cozinha da casa que você voltava todas as noites. Eu ainda estou lá. Planejamos muitas coisas ali, e foram todos eles planos transitórios.

Na verdade eu nunca quis sair de lá e me recuso a sair. Porque foi lá que vivi os melhores anos da minha vida, porque era lá que você estava. Um mundo inteiro, uma vida inteira foi vivida naquele quarto, naquela casinha e tudo o que vivemos lá pra mim é, foi e sempre será indestrutível.

Desde a louça sanitária cor de caramelo, onde você se sentava e conversávamos e riamos enquanto eu ouvia sua urina caindo na água, ou quando eu te dava a mangueira (você sabe pra que). Ou a depilação intima e os cortes de cabelo. Ou tomando banho naquele boxe apertado, você entrando em mim num abraço forte e terno, feliz, duradouro, intangível, morno, molhado.

Das brigas, das minhas lamentações que acabavam no melhor amor que fazíamos, cheio de entrega e medo da perda, da satisfação de estarmos repletos e entregues á aquela certeza de amar e ser amado.

Das tardes em que passávamos nos deliciando um com o outro, os músculos das minhas pernas doendo por causa da sua dança frenética de entrar no meu corpo, várias e deliciosas vezes. Você se encaixava muito bem dentro de mim ( sempre lhe disse isso) e você dizia que era uma sensação quentinha e carinhosa que te dava muito prazer ( prazer que você nunca experimentara). Sei que o esforço de me esperar pelo prazer lhe causava desespero e você não conseguia esperar às vezes, mas quando esperava no final eu sempre lhe compensava.

Tudo era bem mais do que desejo. A sensação indescritível e correspondida de amar várias vezes o mesmo homem e você a mesma mulher como se tivéssemos inaugurando os nossos corpos, o momento mais esperado de uma vida, o que muitas pessoas neste mundo, penso, vivem todas as experiências que lhes cabem e, no entanto, sem jamais conseguir alcançar esta especifica, a mais humana de toda a primordial.

Tudo o que eu enxergava, naqueles momentos, era seu olhar plácido, que me engolia e me acolhia, suprindo-me as carências e os medos, os complexos e as culpas, as fraquezas e as dores. Agarrava-me, aquela entrega, para um ponto antes sequer imaginado pela vida medíocre que eu e você, até então, levava. E também é esse, o ponto ao qual eu jamais conseguirei retornar, com homem algum e nem você com mulher alguma. E eu sei que será exatamente assim.

Quero confessar que no exercício dessa entrega, quando eu atingia ao clímax do nosso prazer, alguns milhões de estrelas eram despejadas, todas de uma única vez, sobre a minha cabeça e, enfim, sobre todo o meu corpo, e com os olhos fechados eu era abraçada pelo sentimento impagável da morte e do nascimento desta minha alma imperfeita, a única que eu tinha e tenho, infelizmente. Depois de consumado nosso amor, eu beijava-lhe os olhos, as narinas, o queixo, as axilas, o seu umbigo, mal roçando meus lábios na sua pele, como um animal que lambe e protege seu filhote ferido. Você se lembra?

Como quando você me esperava no sobrado com uma garrafa de vinho geladinho naquele frigobar, que enfeitei com imãs de geladeira ( um morango, uma melancia, uma banana, um sol, uma lua e uma bruxinha).

Bebíamos, conversávamos e nos beijávamos, e aos poucos, sentia uma moleza no meu corpo que beirava a utopia, ao ilusório. Um pouco por causa do vinho, um pouco pelo delírio tão meu conhecido de possuí-lo, que já começava a encharcar meu corpo e minha alma bem antes do ato em si.

O vinho, alias, temperava o nosso amor.

Riamos juntos, eu ria satisfeita, pela oportunidade que a vida me dava de, meio bêbada de vinho e de amor, voltar a me aconchegar no seu corpo e sentir aquela intensidade do sangue rasgando-me as veias. Uma felicidade que não encontrei em outro lugar ou em outra situação.

Embriagados de amor naquele quarto, naquela cama, sentados e nus, eu dentro de você, entregues ao nosso amor, duas ou três gotas de suor apostavam corrida nas minhas costas para ver qual delas chegaria primeiro até a bunda.

Depois o carinho úmido da minha boca, devagar, as vezes inocente, mesmo depois do desejo saciado, enriçando-lhes as partes novamente, você mordiscando meu corpo, lambendo meus seios, sua língua percorrendo as aureolas, chupando meus bicos, e como um recém nascido bebendo meu leite. Naquelas horas, não havia desejo. Só carinho. Queríamos apenas o alimento do calor, do contato, da pele, do carinho, da ternura, do amor um do outro.

E depois cochilávamos plácidos e nus, eu com seu sêmen vertendo entre minhas pernas e você esgotado e exausto enlaçando-me no seu abraço tendo meus seios em suas mãos e meu calor a te aquecer.

Eu permaneço nesse mundo de lembranças boas que, por dolorosas, me fazem ver hoje que não sou nada, mas descobri com você que disponho de um poder muito grande de amar, o que me faz muito maior do que verdadeiramente sou, e ninguém passara impune a esse amor que sinto por você, nem mesmo você, se não quisesse. O que levo comigo recende a permanência, e eu nunca tive nada igual, não poderia ser diferente. Não sou forte, não se iluda. A minha é uma morte assídua, pequena, persistente, que se dá a cada hora por eu ter que continuar vivendo sozinha, sem você. Sei exatamente o que me espera, pois já vivo há alguns meses. Há uma solidão e uma tristeza meio cruel que desponta a cada amanhecer.

Li recentemente a seguinte frase:

“O amor e a lembrança forte, mantidas apenas num dos lados, são as sentenças condenatórias de quem recorda, proferida por um juiz impiedosamente realista.”

Só eu sei o peso deste meu viver transtornado. Amargando lembranças boas.

Quis te escrever tudo isso, para te dizer que não foi o seu sexo que me fez gozar a vida a um ponto insano, como você falou há alguns dias. Foram os seus olhos perplexos diante do amor que eu lhe oferecia, foi ouvir você dizer que me amava, assim, purinho, aberto e doce. E beijar-me o rosto, espontâneo, de vez em quando, justamente quando não esperava nem lhe pedia.

A minha alma ficou-lhe reservada, eu a dei a você, compungida e devota. Encantada. Você há de se lembrar quantas vezes usei essa palavra, “encantamento”, para definir o que me prendia a você.

Tudo o que escrevi é o que vivemos, é o que é digno de ser contado, pois cada momento passa diante de meus olhos em noites de desespero, de medo, de tristeza, de solidão (como agora). Noites sem motivos e sem fim. Pequenas e ressuscitadas mortes. Dessa vida que vivemos, desse amor que sentimos, desses momentos tão nossos e que nenhum ser nesse mundo teve a sorte de viver.

ESVTA! ( EU SEMPRE VOU TE AMAR)