Carta de um pequenino que não teve chance de viver…

Nota: eu sei que existem várias cartas sobre isso, apenas fiz a minha versão. É que meu avô, o único da minha família que amava escrever, fez uma versão dela. Não pude conhecê-lo, mas acabei seguindo seus passos.

1 mês na barriga de uma mulher.

Mamãe, eu sei que sou apenas uma sementinha, mas quero que saiba que já te amo. Não tenho membros formados. Aguarde, tá? Prometo que vou crescer e lhe dar orgulho. Precisarei de amor, educação e quero estar cheio de valores morais. Em troca, vou devolver tudo, talvez até em dobro.

3 meses na barriga de uma mulher.

Tá difícil pra senhora, não é? Estou dando trabalho. Sei que às vezes você passa mal, que eu te machuco e te deixo nervosa. Pode aguentar, mamãe? Não queria te fazer sofrer, é que estou crescendo e seu organismo precisa se acostumar com isso. Um pouquinho de paciência – com certeza estou tendo, pois estou louco pra lhe ver – e tudo vai ficar bem…

5 meses na barriga de uma mulher.

Ei, o que está havendo mamãe? Dias atrás algo tentou me empurrar pra baixo, tentou me ferir. Não foi você, né? Está meio difícil ficar aqui. E não porque é apertado. Há substâncias estranhas tentando me maltratar. Tenho que ser forte, essas coisas devem estar acontecendo como um teste. Serei forte, serei firme.

6 meses e meio na barriga de uma mulher.

Mamãe… Não estou aguentando. Por que está sendo tão difícil permanecer aqui? Mamãe, algo está tentando me matar! É sério! Me ajude! Parece que lhe machuco também. Juro que não é minha intenção! Ouço a senhora reclamar… Eu fico inquieto e não recebo nenhum carinho. A senhora não fala comigo, nem sinto um sorriso no seu rosto. Eu não tinha a menor ideia de que seria assim… Pensei que estar aqui dentro fosse meio conturbado sim, mas ao mesmo tempo o paraíso. Me enganei! Socorro! Socorro! Algo está… Não…

Uma barriga vazia, um feto que faleceu e descobriu a verdade.

Não estou mais aí dentro, fui expulso. Agora estou num lugar muito tranquilo, mas sinto sua falta. Entendi tudo: por que você me matou, mamãe? Por que tirou o meu direito de te amar e te conhecer? Eu só queria estar do seu lado, ser seu ombro amigo quando as coisas piorassem. Me explicaram aqui que a senhora… Dói falar isso. A senhora, simplesmente me rejeitou. Fui inesperado, não fui planejado… E, acho que isso não justifica nada. Por que não…? Estou tão cheio de dúvidas, sinto tanta dor no meu pequeno coração formado. Eu estava crescendo, os membros do corpo quase perfeitos. Dois braços pra te abraçar e duas pernas para te apoiar. Te por no colo quando te visse envelhecer. Uma boquinha pra dizer “eu te amo”. Falar coisas feias também, porém, iria pedir desculpas. Ouvidos para acompanhar sua doce voz e poder assistir a natureza. Ela é tão bonita. Como você. Daqui de cima, não dá pra ver direito. Não pude aproveitar, não tive a oportunidade de crescer. E o mais incrível? É que não sinto raiva… Não quero o seu mal. Prometo te proteger. Não poderei estar aí para amparar suas quedas, mesmo assim, farei o meu melhor! Eu sinto tanto que tenha sido um peso, de verdade. A culpa em mim é muito grande, ainda mais porque sei que muitas mamães aceitaram os seus bebês e não pude ser aceito também. Fui simplesmente a maldição que estava prestes a estragar a sua vida. Fui interpretado de um jeito errado. E… me faltam palavras pra descrever a dor que está dentro de mim. É enorme, bem maior que o tamanho da sua barriga quando me carregava. Fui um estorvo, me perdoe… Desculpa, desculpa, desculpa. Continuo lamentando, e tudo em vão. Porque sei que não posso voltar. A senhora me matou. Mas entenda: eu te amo, querida mamãe. Minha, minha mamãe. Pra sempre.

Moral da história: é muito fácil ser a favor do aborto quando já nasceu...