Sobre um certo churrasco...
São Paulo, 14 de Maio de 2011
Querido Professor Abraão:
Acho que desde que nos tornamos amigos, talvez eu tenha cometido sem querer um "pecadinho" : Esqueci de agradecê-lo infinitamente por sua paciência, dedicação e carinho durante todo o ano ao me dar suas aulas particulares de Filosofia e História. Aproveito para fazê-lo agora. Saiba que todas as lições, mais do que gravadas em meus cadernos estarão mais do que isso, para sempre guardadas no meu coração.
Sei que o convite de papai, que é seu amigo de tantos anos, pra que viesse à nossa casa sentar e mostrar todos os prismas da filosofia a uma "aborrecente curiosa" foi no mínimo estranho. A maioria dos alunos tem dificuldades no Português, ou na Matemática. Mas no meu caso, eu sentia a necessidade de me conectar com o mundo de uma forma mais bela, significativa e efetiva, algo que não obteria com essa estática "metodologia conteúdista" (sábias palavras suas aliás) , que somos obrigados a engolir na escola. Mais uma vez, obrigada por tudo.
No entanto, sobre aquele nosso assunto que ficou um pouco no ar por causa da sua mudança para o interior, aposto que o senhor a essa hora deva estar às gargalhadas. Ok professor. Eu entendo seu ponto de vista, e em alguns aspectos não tiro a sua razão. Mas se me permite compartilhar um pouco do meu deleite e do meu drama professor, eu nasci aqui, cresci aqui e respiro há 17 anos o ar deste bairro e portanto não posso deixar de ter uma forte ligação emocional e familiar com ele, não importa quão jovem eu seja (apesar de todos os ataques em se falar que o bairro é "de velho") . Acho muito estranho aliás, que embora você seja amigo do meu pai desde a adolescência e tenha VIVIDO e respirado o ar daqui tanto quanto eu (sim, aquelas fotos no antigo apartamento da Rua Maranhão, você e ele no reveillón, de terno e gravata brancos, segurando uma taça de cristal adornada de champanhe, com um visível patê de Foie-Gras sobre aquela mesa de madeira Imbuia trabalhadíssima te condenam, dentre outras cositas mais) , você tenha desenvolvido essa lamentável "coisa" , essa alergia ao que eu chamo de "prosperidade justa".
Higienópolis é bairro de gente TRABALHADORA. Sim professor, trabalhadora. Espantado? Foram gerações que por esforço próprio, luta, ambição e vontade chegaram aqui. Sim, não há dúvidas, que existem os inevitáveis "berços-de-ouro" por aqui, mas ainda assim, o berço só é de ouro porque antes dele, alguém nasceu em berço de madeira podre e batalhou para que seus descendentes pudessem ter um de ouro. Temos médicos. Advogados. Engenheiros. Empresários. Publicitários. Arquitetos. E sim, professores. Pessoas que saem de casa todos os dias de manhã e muitas vezes só voltam à noite. Que se esforçam pra buscar o melhor pra si com todo o direito, porque também procuram dar o melhor de si em forma de trabalho para a sociedade. Pessoas que sonharam. Que buscaram. Que estudaram. Que agora desfrutam merecidamente daquilo que o suor trouxe, porque souberam batalhar, e "tiveram cabeça" pra fazer acontecer.
Não me leve a mal, professor. Eu entendo. A frase da psicóloga foi realmente EXECRÁVEL, bem como as 3.500 assinaturas para que o metrô fosse tirado da Av. Angélica. Merecíamos ter um metrô aqui SIM. Mas tem elitismo , infelizmente. É extremamente lamentável e torço pra que essa forma tão condenável e retrógrada de pensar acabe por aqui . E foram esses "Cacos -Antibes" horríveis da vida, que não representam 100% daqui, que agora fizeram ao menos parecer com que Higienópolis merecesse ser castigada com as 10 pragas do Egito como se todos estivessem sob esse estigma. Somos o bairro mais odiado do Brasil. Praticamente indefensáveis por causa disso. Até uma piada anti-semita veio à tona, apesar de censurada logo depois. Mas antes de você se orgulhar por chamar a praça Buenos Aires de "maior cocôzódromo do país" e alardear que por estar no centro não merecíamos ter nada tornado charmoso e embelezado e encapsulado esse charme numa "bolha", entenda professor, que apesar do episódio lamentável, será que os honestamente bem-sucedidos são tão responsáveis assim pela desgraça do próximo que nada tem, como você sempre alegou em alto e bom tom? Merecíamos mesmo uma bomba atômica aqui? Esse circo midiático? Ninguém dá show "Em Cidade Jardim" , onde mora seu irmão Miguel, como você sempre me disse, o seu irmão "contrário".
Lembro-me uma vez de você ter contado sobre seu irmão, de como ele conseguiu ser um empresário bem -sucedido e a mania que ele tinha de referir secretamente aos funcionários como "plebe ignara" com um sorriso sarcástico no rosto. Vocês seguiram caminhos bem divergentes, aliás, de tal forma que ao sorrir pra você, talvez ele quisesse lhe dar a sensação de que a "plebe" servisse à sua pessoa. Ignara nem tanto, afinal você é professor, não professor? Você pode imaginar um churrasco-protesto frente à mansão do seu irmão? Ele merecia.
Só para seu conhecimento, o churrasco está rolando professor, e alguns colegas meus, que moram aqui foram para frente do shopping. A essa hora já devem estar fritando xuxu no espeto, em homenagem ao nosso palermíssimo governador. Dei apoio à eles e só não fui por causa da rinite, velho problema. Enfim professor, parece que tem gente aqui cujo coração é verdadeiramente sensato e correto para não diferenciar. Me parece que teu "herói vermelho" que quis alfinetar um ilustre morador daqui, errou mais uma vez ao generalizar e querer dividir. Será que não é hora de se pensar, no bom sentido dessa vez, de uma maneira "diferenciada" ???
Um Beijo,
Isabella.