Estávamos em férias ... continuação 37a. carta "Enfim, voltando a comer..."
“Enfim, voltando a comer”.
Tudo começou com uma manga, madura e cheirosa! Era final de 2010, fruta da época. Levei uma manga com a ponta cortada para o meu filho cheirar. A fonoaudióloga havia orientado para fazer exercícios diários com cheiros diferentes. Assim que ele cheirou a fruta abriu a boca e tentou morder.
A reação dele deixou-me sem ação.
O meu marido falou: “deixe-o morder”. Uns segundos de dúvida: dar ou não a manga para ele. O medo de engasgar. Aproximei a fruta e ele colocou a boca e deixei-o sentir o gosto. Foi emocionante. Todos nós ficamos com os olhos cheios de água e sem saber o que fazer.
Peguei outra manga e cortei somente a pontinha deixando só o caldo da fruta sair. A polpa eu tive receio de deixá-lo comer. Afinal toda alimentação dele desde o acidente era pela sonda. Fora isso alguns exercícios com a fonoaudióloga. Aos poucos ele degustou 1/3 da fruta. Apreciando cada ml de caldo consistente.
Eu esperei ansiosamente a fono para contar. Bem, recebi um sermão e um aviso para não repetir a arte.
A família ficou entusiasmada e a notícia espalhou. Imaginem o que aconteceu: “ganhamos muitas mangas”.
Manga rosa, manga bourbom, manga princesa, manga polvilho.
E todo dia a experiência se repetia. E o meu filho se deliciando com o cheiro e sabor da fruta. Todo cuidado era tomado. Eu seguia o protocolo e orientação iniciais da equipe de fonoaudiólogas de SP:
- usar uma colher para oferecer o alimento pastoso;
- usar uma colher, sem alimento, para estimular uma nova mastigação e o ato de engolir;
- estimular a mastigação;
- fazer engolir duas vezes antes da próxima colherada;
- o alimento deveria ser gelado e pastoso;
- alimentos quentes ou mornos eram proibidos;
- água ou suco, líquido, jamais, somente com espessante;
- massagear no sentido de cima para baixo a região da garganta, externamente;
Eu fazia a arte e contava para a fono, para o fisio, para a enfermeira, para o médico. Examinavam o tórax. Não havia sinais de broncoaspiraçao. Ouviam os ruídos, estavam normais. Graças a Deus. A fono resolveu fazer o “teste do azul” e constatou que não havia sinais de broncoaspiraçao, naquele momento. Ela fazia questão de afirmar que “Naquele momento não tinha broncoaspirado”. “Que isso não significava que não broncoaspirasse em outro momento”. “....”
Sim, havia broncas. Eu compreendia as razões dessas broncas.
Realmente era perigoso. A maioria dos pacientes não ficava bem quando as famílias insistiam em alimentá-los pela boca, com alimentos sólidos ou líquidos. Riscos reais. Risco de broncoaspiraçao. Risco de pneumonia. Eu entendia o risco. Por isso eu também não abusava, seguindo rigorosamente as regras.
O progresso era evidente. A manga era uma fruta adequada para essa experiência. O caldo era espesso. As fibras ficavam bem presas no caroço. O sabor era único. Sempre bem gelada. Imagino o quanto esse exercício prazeroso fez bem para ele.
Depois da manga vieram picolés de outras frutas. Geléias caseiras de frutas. A fase do alimento pastoso e gelado estava consolidada.
Nova fase: alimentos em pedaços. Novas regras complementavam as anteriores:
- os pedaços de alimentos não podiam ser pequenos;
- os alimentos deviam ser oferecidos separados.
- Sem misturas, tipo salada de fruta ou sopas. O correto era uma fruta de cada vez;
- alimentos gelados;
- alimentos quentes e folhas e
- mistura de alimentos, última fase.
Alguém daria uma sopa de legumes, um prato de arroz e feijão, ou um bife a um bebezinho? É claro que não. O bebê também vai aprendendo a comer, etapa por etapa.
Guardadas as devidas proporções, os cuidados eram semelhantes. E, infelizmente, no caso do meu filho, os cuidados precisavam ser maiores, pois é adulto, com informações guardadas na memória, porém, confusas.
Eu não imaginava que voltar a comer era trabalho da fonoaudiologia. E fiquei encantada com a profissão.