Carta do Sr. Amilcar sobre o livro Portas e Cruzes
Roberto, Marcos Sossêgo, meu amigo mais antigo e meu
bi-compadre, mandou-me o seu livro Portas e Cruzes. Ele o fez
porque sabia que o endereço estava certo. Não há _ como diz
Monteiro Lobato_ " como erradicar de sua terra uma planta que
nela já deitou raízes. Não vai pegar ou vai definhar e viver em
outra terra como vergôntea mortiça ". Não é completamente o
meu caso já que o Norte do Paraná acolheu-me com toda a
generosidade e aqui nasceram meus 4 filhos e 7 netos; e aqui
tenho amigos que também aquecem-me o coração. Mas a
nostalgia da minha terra onde deixei raízes...
A dentista que nos atende há uns 15 anos conheceu as cidades
históricas de Minas, inclusive SABARÁ, e disse-me o seguinte:
ao adentrar os museus e igrejas senti até um arrepio; senti o
bafio da história... Achei interessante esta observação dela pois
o norteparanaense é muito objetivo;volta-se quase que
completamente para produzir alimentos para o nosso povo e para
exportação, e não tem antenas muito afinadas para o que a
Dra. Geny disse. E resolvi perguntar-lhe: Dra., a Sra. não deve ter
nascido aqui ( em Engenheiro Beltrão ). A Sra. que tem antenas,
em qual lugar se sentiria em casa? Ela respondeu-me: sempre digo
a meus filhos: Aqui a Natureza enche os olhos e a alma e a beleza
aqui tem aspecto moral, pois o povo produz alimentos; mas aqui
não tenho história... história eu tenho em Presidente Prudente.
Pois é, meu amigo Roberto ( Já que você deu-me a liberdade para
assim o considerar), seu livro chegou-me às mãos dias depois, e
eu já estava com a reflexão da Dra. Geny trazendo-me
recordações. Não vou adjetivar seus versos porque se o fizer
estarei conceituando sobre uma obra que adentra por caminhos
da poesia/religiosidade/filosofia a apuro no vernáculo.
De modo que, sentindo o peso destes 58 anos de desterro dentro
de um jardim_ como é a minha fazenda e o Norte do Paraná_ o
que seus versos fizeram comigo foi aprofundar o semi-vazio que
sinto por não estar na minha terra. Não vou aguentar, tenho que
voltar de, tempos em tempos pelo menos, para a minha terra.
Sua dedicatória comoveu-me e não foi só pelo sentido estrito das
palavras e explico: o advogado que nos atende_ Dr. Lauro_ numa
reunião aqui na fazenda, perguntou-me: Sr. Amilcar, o Sr. Sabia
que o Sr. é franciscano? Eu disse: nunca e nem sei o que é ser
franciscano. Ele: o franciscano não tem noção de que o é. Olhei
para a minha roupa, pensei na elegância (???) dos meus 03 irmãos
e aí dei pela coisa_ é, ainda que não o saibamos, nós 4 somos
franciscanos e dos bons, pois é difícil saber saber quem é mais
relaxado para trajar e que tenha menos apego aos bens materiais.
A sua dedicatória " bate no ponto ": doravante ficarei sempre
orgulhoso por não ter orgulho e sentindo-me bem por ter amigos
como o Sossêgo e amigos que ainda não conheço pessoalmente,
como você e que por generosidade dedicou-me o livro com
palavras aquecedoras...
Um forte abraço, de Amilcar.
Fazenda Sabará, l6 de outubro de de 2008.
Francisco Beltrão - Paraná.
Obs.: O Sr. Amilcar, sabarense, foi na juventude amigo do meu pai.
Jogavam no Comercial Futebol Clube. Na dedicatória eu faço uma
referência ao meu pai, o João Português, craque da ponta direita.
Me disseram uma vez que seu tivesse 01 por cento da
inteligência dele eu seria um gênio, mas a genialidade do meu
velho estava na simplicidade de viver e cultivar amigos. Eu destaquei
este fato. E recebi esta emocionada e cativante carta. Quanto a ser
franciscano, recentemente o Dr. Murilo, dentista, irmão do Amilcar,
aposentou-se e doou todos os equipamentos do seu consultório. São
mesmo Franciscanos.