CONSELHOS

Ilustríssima Senhora

Espero que esta missiva a encontre gozando da mais perfeita saúde e paz. Não nos conhecemos pessoalmente, só de ouvir falar – fala-se muito na senhora por aqui. Sei que viaja a trabalho infelizmente. Certamente já nos cruzamos de perto em algumas ocasiões.

Não quero, de forma alguma, tomar seu precioso tempo. Espero sinceramente, que não desperdices, jamais, um instante sequer de sua atenção comigo. Eu não tenho importância alguma, aliás, prefiro ficar no anonimato, quieto no meu canto. Aqui em nossa terra temos um ditado: “quem não é visto, não é lembrado”. Sendo assim hás de perguntar: Por quê então me escreve? Distinta senhora, não me leve a mal. Mesmo sendo muito atarefada jamais perde a hora. Sabemos que cumpre, sem falhar, arduamente a sua espinhosa e estafante tarefa por todo planeta. De início, proponho que escolha melhor os lugares que visita. Nosso inverno é desumano. Nosso verão é escaldante. Na primavera e no outono, pode acontecer de sofrermos as quatro estações do ano, num só dia.

Se já não bastasse, considerando-se os percalços inerentes a uma senhora da sua idade, nossos aeroportos tem sido um caos. Voos atrasados, overbooking, falta de teto. As estradas estão esburacadas e perigosas. As pedagiadas estão em boas condições, mas, cobram o “olho-da-cara”.

Além do mais, a nossa taxa de concentração demográfica é bem inferior a de outros países. Não que eu queira, longe disso, lhe indicar locais de trabalho, mas, considerando a especificidade do seu labor, aqui a produtividade se torna baixa por óbvio.

A digníssima senhora nunca pensou em renovar o vestuário?

Claro que eu sei. A senhora procura ser discreta, seu trabalho exige isso. A sua figura delgada e longilínea até que lhe cai bem. Mas o manto negro e a foice na mão assustam as pessoas vivas deste mundo de Deus. E ainda mais, por que a máscara e os olhos perfurantes?

Hoje, com a evolução das comunicações, da internet, da tecnologia, temos formas mais sutis de convidar alguém para passar deste para o outro lado. Tomar a barca de Caronte, não necessariamente precisa ser tão assustador. Pode ser poético ou, quem sabe, virtual.

Outra coisa. A senhora nunca pensou em férias?

Claro. A senhora poderia tirar umas férias e descansar. Viajar para o Caribe, por exemplo. A senhora já ouviu falar das praias paradisíacas de lá? Dizem que é lindo de viver.

Outra idéia: aposentadoria!

Certamente com os anos de trabalho extenuantes dedicados com afinco, muitas vezes em condições precárias, a senhora bem que poderia aposentar-se. Seu contracheque viria generoso.

O que acha de minhas sugestões? Por favor, pense com carinho.

Para finalizar, quero lhe dizer que apesar de não conhecê-lá pessoalmente, quis eu, voluntário e sem interesses pessoais, passar-lhe estas insignificantes reflexões. Quem sabe assim estarei contribuindo para o futuro da humanidade.

Caso às considere não precisa devolver o agradecimento, distinta senhora. Só de estar vivo, já me sinto muitíssimo bem.

Por outra, se não acatar nenhum dos conselhos supracitados, lhe peço encarecido e respeitosamente - me esqueça, por favor! Ao menos por enquanto. Não tenho pressa!

Assina: Anônimo Desconhecido Oculto