CARTAS A MARTINS

Barbosa, 17 de outubro de 2012.

Querido Martins

Provavelmente essa carta à suas mãos trará a sensação de alívio, surpresa, quiçá felicitações. Sei que sentiria isso, se eu fosse você.

Pois faz tempo que não lhe dirijo algum alento, que não escrevo, nem ligo para dizer um “oi”, não envio um S.M.S e nem fico on no facebook..

Poderá pensar em uma clausura consentida, obra do meu ego ou da majestosa vaidade, para que, sumido, alguém se preocupa com meu paradeiro ou o meu bem-estar. Mas me conhece, caro Martins, que não sou dado a ninharias. Conhece meu coração, tão bem quanto conhece minha cabeça.

Preso, se estou, nessa prisão sem muros, sabe que é involuntário. E que agonias, angústias, medos, dúvidas, anseios. Estou nas mãos e nos fios das Parcas, que nunca foram as gregas. Em suma, meu amado amigo, está tão frio e escuro aqui. Sendo frio, como posso escrever-lhe sem o calor de minhas mãos? Sendo escuro, como ilumina meus olhos a palavra? Pois sem lume há apenas fumo.

Por isso sofro, amado amigo. Porque sei que sofre também sem minhas notícias. Porque nem o jornaleiro, nem o carteiro, nem os viajantes e nem os ambulantes, nada e nenhum animal lhe traz a notícia de conforto. Mas eu temo mais, pois ao escrever-lhe sinto necessidade de traduzir as minhas dores.

Pior é que sinto dores e não sei onde, terror e não sei por que, medo e não sei como, fraqueza e não sei quantas.

Pobre e confuso, dirá de mim se estivesse aqui agora. E não tenho como repudiar. Sim, meu caro, o Caos pleno em mim. E nem Titãs presentes para me organizar. E eu mereço.

Posso? Respondo-lhe seu pedido para ser mais claro. E como? Questiono você e a mim também.

Posto que o dia esteja morno, moreno e sem graça. Bate-me de hora em hora sonolência, dormência atingindo toda a superfície do meu corpo. Uma malemolência, um torpor.

Ponho-me a frente do computador, de manhã, com coragem apenas de ligar o aparelho. E fico eu encarando a tela e ela a mim.

Pouco de ânimo me faz contar os ícones da área de trabalho. E refletindo agora, percebo que a minha área de trabalho bem representa o que estou agora: confuso! Cheio de estímulo, muita coisa por verificar, lixos para jogar e nem uma vontade para realizar qualquer atividade.

Por que tal desgraçada figura lhe apresento, meu amigo? Tão diferente de nossa mocidade.

Por onde me deixou que era eu um saudável atleta, de energias e ímpeto? Na nossa época, nossos olhos refletiam esperança. Esperança do bem, esperança do futuro. Esperança de tudo. Em nossos peitos pulavam potentes coragens imensas, planos longínquos e utopias.

Pode, agora distante, por meios de cartas rareadas, acompanhar-me, por letras, o definhar de seu companheiro, seu primo, seu irmão?

Pois se escrevo hoje é porque tenho o rastilho do lume que me era clareira e que quer definhar.

Porque sente faltas minhas, eu também sinto de você. E sei que breve não o verei. Sei que sua ocupação obriga-o a manter-se afastado. Nem mais o churrasco de fim de ano? Há quanto tempo não nos vemos?

Peculiaridade tenho que relatar, até porque, se puder, espero seus conselhos. O fato é que comecei a fazer exercícios. Nenhum exagero da minha parte. Como fui sedentário por muito tempo em minha vida, e você já sabe disso, decidi caminhar e correr, não por indicação médica, mas pela vaidade! A bela estúpida vaidade! Minha barriga está muito grande. Deveras, dirá! E não contradigo. Não me preocupo com a saúde ou a obesidade que mata muitos ao meu redor, mas com a estética. Confesso, estou tornando-me escravo das convenções. Não deveria?

Pelo nosso convívio, e se tivéssemos próximos um do outro, teria me dado guarita contra essa tentação. Bem a dor é a fome. Pois juro que dos últimos meses até aqui, tenho sentido imensa fome. E não sei o motivo. Quando mais comia, mais fome sentia. E se fartava com imensas iguarias, constatava-me a permanência do vazio. De onde vem tanta fome? Que mistério é esse que me acompanha? É natural do meu estado de espírito ou é razão do meu físico?

Pode questionar o que o exercício, hábito saudável por sinal, mas incompreendido pelos intelectuais de pracinha, tem a ver com a minha glutonice?

Portanto respondo-lhe de imediato que foi o tal bem-dito exercício que acendeu essa voraz fome que consome e me devora. Se pudesse, juro, comia noite e dia, Sol, Lua e Estrelas e a chuva, bebia.

Pela glutonice você queixa e com razão. Sabe a vergonha que tenho como confesso em seu santuário. Eu que, com você, era baluarte da razão e da moderação. Onde o intelecto prezava pela preferência em detrimento aos impulsos e desejos da carne, e da alma, e da metafísica, e dos mitos e dos divinos.

Pobre velho sou eu, meu amigo. O que acha? O que pensa? Há como enviar conselhos a esse seu infrator?

Porém declaro culpado também pela minha situação, já que há muito se distanciara dos nossos convívios e deixei os exercícios mentais para flutuar entre as pomposas fainas da sociedade.

Pelo certo me delonguei nessa missiva, mas compreende que a saudade é força que move tudo. E ela tirou-me do profundo sono para desenhar-lhe meus dias em palavras.

Por fim, sabe que minha intenção de modo algum foi sobrecarregar suas costas com minhas infortunas preocupações. Nem é um pedido para que deixe sua empresa para ver como está meu padecimento.

Padeço, mas quero seu sucesso como quero minha felicidade. Quero-lhe sua saúde como me quero feliz, quero-lhe sua fortaleza como me quero são.

Porque você é meu único e verdadeiro amigo. Não é colega ou primo. É meu irmão.

Por isso Saúdo.

Perdão.

Dir
valdirfilosofia
Enviado por valdirfilosofia em 17/10/2012
Reeditado em 19/10/2012
Código do texto: T3938516
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