Estávamos em férias ... continuação 28a. carta "Ahhh, não! na UTI novamente?"

Agosto/2010 - rotina de UTI novamente. Nada fácil. Estávamos em outro hospital agora. Novos médicos. Novas equipes. Permaneceu a equipe de neurologistas que atendiam nos dois hospitais.

Febre. Muita febre. Sede, muita sede. Apenas lábios molhados. A gente tinha tantas coisas para repassar para a equipe ocupada da UTI. Uso de órteses, uso do colírio, as manchas vermelhas no corpo. Cuidado com os olhos. Quantidade de água. Cuidados com a sonda de gastrostomia. Uso do aparelho no abdomem direito que não podia ser aplicado injeção. Impedimento de fazer exames de tomografia com contraste. Proibida ressonância magnética. Apnéia do sono.

A equipe tinha boa vontade, mas não tinha tempo para ouvir-nos. Nós também tínhamos somente trinta minutos para entrar e ficar com ele. Uma vez ao dia.

Sentei-me no computador e comecei a fazer uma lista de todas essas coisas. Quase fiz um manual de cuidados. Meu marido acrescentou outros itens e entregamos na UTI. Eles disseram que foi ótimo, que ajudou a lembrança de tantas coisas.

Sabiam que nessa UTI tinha anjos? Sim!

Nos olhavam, alguns usando máscaras, outros somente toucas, outros somente jalecos brancos e outros jalecos azuis. Deixavam os irmãos verem o Róger. Perguntavam sobre a lista de cuidados agora afixados na parede acima da cama. Explicavam como o Róger tinha passado o dia.

Atendiam nossas ligações cedinho a cada dia para saber as notícias da noite.

O Róger ficou muitos dias nessa UTI. A febre cedia e voltava. E os médicos decidiram fazer novamente a traqueostomia para ajudar na recuperação. A princípio ficamos preocupados. Mas, entendemos a necessidade e foi realizado o procedimento.

Traqueostomizado para sempre. Definitivamente. Assim, os médicos nos comunicaram. Que ele usaria para sempre aquela tráqueo, pois assim ficaria livre de outras pneumonias.

Oh, meu Deus, não permita. Não deixa não. Livra meu filho desse “negócio” no pescoço. Assim, imploramos a Deus.

Traquestomizado novamente para facilitar a drenagem e a limpeza do pulmão. Novamente aquela tortura da aspiração realizada pelos fisioterapeutas. Não tinha outro jeito. Ficar somente deitado na UTI dificultava o funcionamento correto dos pulmões e a tendência era piorar.

Aos poucos melhorou.

De alta da UTI foi para o quarto. Novo processo de contratação de Home Care. O próprio convênio decidiu encerrar o contrato assim que houve a internação.

Enquanto isso dias se passaram. Nós revezando dia e noite no hospital.

O atendimento do plantão era percebido pela mudança de equipe. Dia sim, dia não. Um dia era tranqüilo, o outro tumultuado. Dependia da equipe que estava no plantão.

Uma tarde eu sentada no sofazinho e o Róger deitado de lado de costas para mim dormindo. Uma técnica de enfermagem chegou com medicação” e aerosol para fazer. Terminou e saiu. Nem sei quanto tempo passou, estranhei o movimento respiratório dele, o subir e descer do abdômen, . achei que estava muito rápido. Levantei-me e me aproximei e vi esforço respiratório. Apertei a campainha chamando a enfermagem. Olhei tudo rapidamente tentando descobrir o que era.

Pasmem. Inacreditável. A mulher tinha tampado a via de saída do ar do pulmão dele. Simplesmente, colocou a via do aerosol ao lado do tubo do oxigênio, um tubo em “T”. Puxei rapidamente e ela chegou no quarto.

Só me virei e perguntei: “você pretendia matar meu filho, asfixiado?”.

Ela nem entendeu o que eu falei. Apertei a campainha novamente, pois queria falar com a enfermeira. A mulher me olhava, era uma senhora de meia idade, devia ter experiência no que fazia. Mas, não tinha.

Pediu-me desculpas. Tinha sido sem querer. A única coisa que consegui falar foi olhar para ela e dizer: “deixe-me apertar seu nariz e sua boca, por alguns minutos”. Posso? E fui indo em direção a ela. A enfermeira chegou e conversou rapidamente comigo. Não havia mais o que falar. Eu só queria que ela soubesse o que tinha acontecido e que orientasse a técnica.

Nem preciso falar que essa senhora ficou me olhando “torto”.

Não era o caso de desculpas. Eu só queria entender. Fiz questão de falar com o pessoal da fisioterapia. Observei outros técnicos. Muitos quiseram repetir o procedimento. Era falta de treinamento? Aquele procedimento era realizado correta e normalmente quando o tubo era em “Y” e uma saída ficaria liberada.

Eu e meu marido ficamos de olhos abertos. Essa mesma senhora, dias depois, veio atender a campainha do quarto, pois tinha parado de pingar o frasco de um medicamento, ou do soro.

Ela colocou luvas de procedimento e olhou o local, apertou o botãozinho do frasco e foi em direção ao lixinho do quarto escrito “material contaminado”. Eu pensei que ela fosse me pedir para pegar. Ou que ia trazer o lixinho empurrando com os pés. Algo assim. Ela simplesmente se abaixou e colocou as mãos enluvadas na lata e trouxe a lata. Eu pensei: “não acredito que ela pegou”, “ela vai trocar as luvas”, “ela vai chamar a enfermeira” e...

Ela foi em direção as mãos do Róger. Ela não trocou as luvas. Não chamou ninguém para ajudar. Eu pulei na hora na frente. E repeti o que pensei acima. Novamente apertei a campainha. E exigi que ela ficasse lá dentro esperando. A enfermeira veio rápido e então relatei. A enfermeira olhou para ela e a dispensou.

E nós ficamos desesperados, com muito medo de alguém do hospital tentar fazer alguma coisa de mal para nosso filho. A enfermeira nos tranqüilizou e confiamos.

Um dia um fisioterapeuta brincou conosco que estava com pena do colchão de ar do Róger. Pena? Perguntamos. Sim, disse ele. O pessoal daqui ainda não furou? Furar, como assim? Observem o pessoal quando eles vierem tirar o sangue do Róger para fazer o controle de glicemia.

Esse exame era feito quatro vezes ao dia.

Outra técnica chegou e fez medicação e foi fazer o exame. Aproximei-me para acompanhar. Ela furou um dos dedos do meu filho e automaticamente fez o movimento de enfiá-la no colchão. Nãoooo, eu disse!

Ela me olhou sem entender.

Não fure o colchão de ar com sua agulha! Eu disse.

E ficou com a agulha na mão... depositou na bandeja. Explicou-me que isso era comum no hospital para evitar a própria contaminação. Havia o risco de perfuração das mãos do técnico caso a agulha ficasse solta na

bandeja.

E a contaminação do colchão? Do hospital inteiro? A enfermeira do andar novamente chamou a enfermeira chefe, que chamou a Gerência de Infecção Hospitalar.

Como resultado, nosso colchão estava uma peneira, todo remendado com fita de esparadrapo. Engraçado não era. Mas digamos que dava para rir ao olhar um colchão de ar todo remendado. Nem me lembro quantos furos tinha. Acabamos rindo cada vez que um profissional entrava no quarto e lembravam da cena do P A R E.... NÃO FURE ESSE COLCHÃO. E ainda queriam conferir a quantidade de furos identificados pelos esparadrapos colados.

Além disso, todos os dias eu lavava a cadeira de banho antes do uso, pois ela tinha sido palco de outros banhos naquele mesmo dia. Todos os dias eu complementava a limpeza do quarto, passando álcool em cima dos móveis, maçanetas e outros itens esquecidos pela senhorinha da limpeza. Ela entrava de luvas pegava em tudo, limpava e saia novamente pegando em tudo com as mesmas luvas. Então, eu esperava ela sair e complementava a limpeza.

Certo dia eu estava indo para casa depois de um dia inteiro no hospital. Meu marido já estava lá para ficar no plantão da noite. Meu filho e a namorada estavam lá também para uma visita depois do trabalho. Pensei que o Róger tinha virado para me olhar e parecia sorrir. Nunca tinha visto uma convulsão dele. Foi tão de repente.

O pai dele avisou: está tendo uma convulsão! Sai e chamei a enfermeira. Ela ficou sentada e pegou o telefone para ligar para o médico? Não sei o que ela queria fazer! Fiz sinal que era urgente! Chamando-a em direção ao quarto.

Um técnico resolveu me acompanhar e ficou ajudando no quarto.

Sai desesperada com a cena. Olhei a enfermeira sentada! Pensei comigo: “não acredito”. Acho que ela não sabe o que fazer. Peguei o prontuário do meu filho e fui olhando para tentar entender. Lembrei-me da suspensão de um remédio e fui conferindo. Dias atrás eu tinha avisado as enfermeiras que o remédio suspenso ainda constava na prescrição. Comparando as prescrições logo descobri que tinha havido um erro na prescrição, no lugar do outro remédio suspenso tinham tirado o anticonvulsivante. Folhei de voltas as prescrições e não tinha mais o anticonvulsivante. Já tinha 10 dias sem tomar a medicação, por isso a convulsão veio forte. Falei para a enfermeira o que havia constatado e ela ainda tentando a ligar para o médico. Propus para ela que eu poderia tentar a ligação para ela ir atender meu filho no quarto. Sem resposta.

Lembrei-me de ver um aviso pregado em um corredor sobre os procedimentos de emergência na ala de exames. Li o cartaz um dia enquanto esperava a vez do meu filho fazer um exame.

Pensem numa mulher de tênis andando rápido no corredor do hospital em direção ao Pronto Atendimento - P.A. Andando rápido ou correndo. Nem sei. Acho que corria. Entrei no P.A. e pedi por um médico: “Ajudem-me, meu filho está tendo uma convulsão no quarto e não tem ninguém para atendê-lo”. A secretária olhou-me, calmamente, e pediu para avisar a enfermeira do andar, que ela tomaria providências.

Voltei correndo e chamei novamente a enfermeira.

Voltei para o P.A.: “Um médico, por favor, para atender meu filho em convulsão”. Então, um médico que estava passando visita e lendo um prontuário, me perguntou: “onde é?”. Ali, doutor. Venha comigo!

O médico levantou-se e correu comigo pelos corredores. Chegou no quarto e pediu o carrinho de emergência. O técnico ainda estava lá. Tinham colocado oxigênio. O médico fez os procedimentos necessários e prescreveu a medicação que foi imediatamente aplicada pelo técnico.

Quando tudo estava se normalizando a enfermeira entrou, com o médico do P.A.

Os médicos conversaram. A enfermeira voltou para seu lugar confortável. Eu suspirei e fui atrás. Cobrei dela atitude. Peguei o prontuário, que eu conhecia bem, pois olhava diariamente e mostrei para ela que havia um procedimento que ela, como enfermeira, repassava para sua equipe, onde constava orientações.

Eu mesma não me reconhecia. Falei bem alto: “falar é fácil, mas seu técnico fez mais que você”. “Você não tem atitude para ser enfermeira, não sabe agir na pressão, nem na urgência.”

Ela me olhava com “desprezo”, indiferença”, “fúria?”, “raiva?”. E eu falei firmemente: “você deixou de prestar socorro para meu filho”. O médico do P.A. aproximou-se e conversou comigo, alertando-me que eu poderia denunciar ao conselho de ética do hospital.

Todos me olhavam no corredor!

Voltei para ver se meu filho estava bem. Agora dormia. O médico que o socorreu estava pronto para sair. Nós lhe agradecemos muito. Oh, meu Deus! Muito obrigada pelo anjo naquele dia, naquele horário, naquele hospital.

Sentei e chorei. Solucei. Até me acalmar. Teve uma anjinha que tinha ido visitar o Róger e uma norinha que ficaram ali comigo.

Os desdobramentos do erro de lançamento na prescrição médica... tiraram um remédio indevidamente e depois tiraram o remédio certo, mas não retornaram o que meu filho ia continuar tomando.

Responsabilidade de quem? A enfermeira disse que era do médico. O médico disse que era do digitador. Os técnicos de enfermagem diziam que não era deles. Então, de quem era a responsabilidade?

O Róger estava no final da série de antibióticos e o médico estava falando em alta. Encaminhamento para Home Care.

Antes de ir para casa o médico solicitou a troca da numeração da traqueostomia do Róger. A princípio um procedimento simples, realizado por médico cirurgião residente dentro do quarto mesmo. Data marcada, procedimento realizado. No mesmo dia, a tarde, estranhei a respiração do Róger.

O fisioterapeuta veio atender e nada achou de errado. Na hora da aspiração, porém, estranhou a cor da secreção, que normalmente era transparente. Nesse dia estava mais escura. Desmontou a parte móvel para limpar e encontrou um resíduo estranho dentro do aparelho.

Chamamos a enfermeira, que chamou o médico de plantão. Olharam o material e se entreolharam.

Hummm!!! Não gostei! E continuei observando. Falaram alguma coisa e iam saindo, como se nada tivesse acontecido. Chamei os dois e perguntei: “o que é isso?”

Disse que fazia questão de encaminhar o material para ser examinado. Eu queria saber que material era aquele.

O material foi colhido e me pediram para levar no laboratório pessoalmente. O laboratório confirmou ser material orgânico, contaminado com fungos. Esperei ansiosamente o médico infectologista para me orientar. Segundo ele o material contaminado não iria afetar meu filho. Que esses fungos existiam em vários ambientes da natureza.

Enfim, o hospital reaproveitava as peças metálicas de traqueostomia. E essa não tinha sido bem esterilizada. Sim, é isso mesmo que você leu.

Colocaram uma peça de metal na garganta do meu filho que não tinha sido devidamente esterilizada.

Questionamos que não tínhamos sido consultados para optar por material esterilizado ou novo. Fizeram reuniões e nos garantiram que esse procedimento seria eliminado do hospital.

Relacionamos tudo o que tinha acontecido, mostrei para o médico responsável pela internação, entregamos para a Gerência de Enfermagem. E veio a Gerente de Qualidade. E veio a Gerente de Infecção Hospitalar. E veio a Gerência Administrativa. E veio a Supervisão de Treinamento. E nos sentamos, eles queriam nos ouvir e saber mais sobre os fatos.

Deixamos claro que nosso objetivo era inibir riscos para o Róger e para outros pacientes do hospital, pois poderiam ser vítimas desses procedimentos.

Dias se passaram e nos comunicaram que estava programado um treinamento sobre esses e vários outros itens, disponibilizados em vários turnos. Que bom que não foi só pedido de desculpas. Foi ação.

Ainda ficamos dias no hospital tratados como os “chatos” do quarto x, com indiferença de outros e especiais para poucos.

Rosa Destefani
Enviado por Rosa Destefani em 16/10/2012
Reeditado em 31/10/2012
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