CARTA A LYGIA FAGUNDES TELLES

Iniciada em 14.06.2005 – Terminada em 12.12.2007

Cara senhora Lygia,

Por favor, leia minha carta até o fim. Garanto que a senhora irá sorrir ou, quem sabe, até dar umas boas risadas com o que vou lhe contar. Antes de mais nada, preciso parabenizá-la pelo merecido Prêmio Camões que a senhora acaba de receber. Sou sua fã incondicional.

Bem, é necessário que eu também lhe conte que consegui seu endereço eletrônico escarafunchando na internet. Maravilha de instrumento. A senhora vê: consegui até encontrá-la! Garanto que não foi fácil; fiquei dias e dias entrando em tudo quanto é site onde aparecia o seu nome até que, de repente, quando eu já perdia as esperanças, ele surge escondidinho no meio de um monte de outras informações. Ah! vi até fotos da senhora menina, da senhora de beca, e depois – ô glória! – sendo empossada na Academia Brasileira de Letras. Lugar que lhe é de direito pela sua valorosa obra literária. Não é como umas certas pessoas que estão lá e não deviam. Bom, não vou nem entrar no mérito da questão.

Onde eu estava mesmo? No começo desta carta. Posso dizer que estou escrevendo uma carta? Sei lá, parece coisa tão antiga escrever cartas. Hoje escreve-se e-mail e envia-se tudo pela rede. As cartas não têm mais textura, não têm mais perfume, não têm mais contato humano ... É o preço da modernidade.

Voltando – nossa, já estou ficando tonta de tanto voltar! A senhora sabe que já nos encontramos face a face há uns 33 anos? Cristo até teria tido tempo de nascer e morrer nesta terra em tal espaço de tempo! Garanto que a senhora não vai se lembrar. Pudera! Quantos milhares de admiradores já fizeram fila perante a sua afável figura, mendigando um autógrafo?

Mas eu lembro daquela noite de junho de 1974 como se fosse ontem. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Fundação Santo André estava em polvorosa porque receberia a famosa Lygia Fagundes Telles em seu anfiteatro lotado de jovens estudantes. Eu era um deles, ao lado da minha grande amiga Regina. Ambas havíamos comprado livros para receber a sua honrosa dedicatória. Combinamos de comprar títulos diferentes porque depois poderíamos ler os dois e assim economizaríamos um dinheirinho, tão suado quando se trabalha de dia para poder pagar os estudos cursados à noite. Assim, comprei “Ciranda de pedra” e a Regina, “Verão no aquário”.

A palestra foi muito interessante e eu anotei toda ela em taquigrafia, com duas vantagens: não perdi uma palavra sequer do que a senhora falou e ainda treinei para as aulas que estava tendo. Guardei aquelas páginas com todo carinho e, quando fui encontrá-las, muitos anos mais tarde, constatei que não lembrava mais do código e acabei tendo como que uma preciosidade nas mãos escrita em incompreensíveis hieróglifos!

Uma pena perder suas palavras, mas o importante é que não perdi a lembrança daquela noite mágica para mim. Finda a palestra, como de praxe, formou-se a fila para os autógrafos e estávamos lá, as duas amigas, prestes a encará-la, a fitar um ídolo nos olhos. Também como é de costume, a fila demorou a andar e o noivo da Regina veio buscá-la na Faculdade. Ele era meio invocado e ela tinha um medo danado dele. Engraçado, casaram e a situação continuou a mesma por vinte e cinco anos, quando então se divorciaram. Bom, perdoe-me a indiscrição mas acho que se, naquela noite, a Regina não tivesse saído da fila para ir embora antes que o noivo ficasse bravo com o atraso, os dois poderiam ter brigado, desmanchado o noivado e tido uma vida mais feliz, cada qual no seu canto.

Voltando à fila - olha eu voltando de novo; parece vício! – Bom, a Regina, antes de sair, entregou-me seu livro para que eu pegasse o autógrafo nele. Depois de meia hora mais ou menos, chegou a minha vez. Entreguei-lhe o livro da Regina. A senhora olhou-me e perguntou com um sorriso gentil o meu nome. Fiquei extasiada. Era a primeira vez que eu pegava autógrafo de alguém e não sabia qual era o processo. Abrindo o livro da minha amiga, a senhora começou “Para Maria Angela....” e eu esbocei um “não” tão baixo, mas a senhora escutou e olhou-me, perguntando o que era. Não consegui dizer que o autógrafo era para a Maria Regina (éramos dos tempos das Marias) e simplesmente completei, sorrindo encabulada: “Nada, nada”. Fiquei tão confusa que passei-lhe o outro livro, aquele que havia comprado para mim, e a senhora perguntou-me: “Nome?” E eu repeti meu nome (afinal eu o havia adquirido para mim!).

Só quando saí do anfiteatro e recuperei o fôlego é que recuperei também a razão: minha amiga ficara sem autógrafo. Ambos os livros estavam dedicados gentilmente a mim. Difícil foi explicar-lhe a situação e encarar sua decepção. O máximo que pude fazer foi uma dedicatória, embaixo da sua, oferecendo-lhe o livro que ela comprara e do qual eu roubara o autógrafo e que, por pura falta de idéia, nem a despesa reembolsei.

A culpa foi do noivo que veio buscá-la antes da hora. Foi também da senhora que me deixou embasbacada. Mas pelo menos tenho sempre uma boa história para contar do dia em que encontrei a grande Lygia Fagundes Telles.

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agentes de Lygia Fagundes Telles, em 2007:

portal literal: valeska jabur zamboni - valeska@literal.com.br

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www.agenciariff.com.br

Maria Angela Alvares Cacioli
Enviado por Maria Angela Alvares Cacioli em 16/10/2012
Reeditado em 29/11/2018
Código do texto: T3935809
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