Estávamos em férias ... continuação 27a. carta "Dificuldades da internação em casa"

A internação em casa tem seus benefícios, mas também tem suas dificuldades.

Passamos o resto do dia nos adaptando com a volta para casa. A cama disponibilizada pelo Home Care era alta e pequena demais para o Róger. Assim que nos instalamos notei a falta da grade da cama. Chamei a enfermeira e a avisei.

Tínhamos uma nova velha cama, sem grades, alta demais, pequena que mal cabia o colchão de ar, fiz contato com a enfermeira do Home Care para saber da possibilidade de conseguir uma cama mais adequada ao tamanho do paciente. A resposta foi que ela iria conversar com a administração e que nos retornava. Quando perguntei pelas grades da cama, ela me disse: “mas, para que? Ele não mexe!”

Pensei: sim! ele não se mexia mesmo. Mas, ia se mexer futuramente!

Sim, ele não se mexe, respondi. Mas, e se ele tiver uma convulsão a noite? E se... se... ele se mexer? Ela me olhou como se eu fosse uma “Poliana” e disse que ia mandar procurar.

A noite chegou e a grade não. Encostamos a cama na parede e uma poltrona na frente. A noite ia ser longa. Não consegui dormir. Tínhamos uma técnica de enfermagem para passar a noite e outra para passar o dia. 24 horas de cuidados. Assim mesmo, cansados da rotina no hospital, montamos nosso plantão de acompanhamento. Uma noite sim, outra não, para cada um.

A técnica dormiu a noite toda. Sim, dormiu! Pela manhã chegou a outra e... o dia foi comprido também. O Banho. A medicação. O sentar na poltrona. O sentar na cadeira de rodas.

Aqui não tinha os “maqueiros” do hospital. A técnica de enfermagem encaminhada pelo Home Care, não tinha força, nem jeito para carregar.

Então entrou em cena a Marilza. A Marilza trabalha com a gente quase 20 anos. É uma pessoa decidida, forte, e amorosa com o Róger. Sempre foi. Hehehehe. Os meninos brincavam toda vez que o Róger chegava de férias, a comida era mais gostosa, que tinha isso e aquilo. E quando estavam só eles não tinham. Ela também é amorosa com os meninos, mas não disfarçava o dengo para o caçula.

Só que o Róger estava colhendo o carinho e atenção que sempre deu. Ele fazia questão de alguns sábados levar a Marilza de carona para casa. Todo importante porque já podia pegar o carro e dirigir, já tinha carteira. Sempre brincava com a Marilza que quando ele casasse ela ia morar com eles. E outras coisas... presentinhos quando chegava de férias, um abraço carinhoso, uma corrida na cozinha para roubar um bife, desde pequeno...

Ela passou a nos ajudar com o transporte do Róger. Grata, para sempre!!!

Os técnicos de enfermagem muitas vezes eram obrigados a dobrar o plantão, porque o outro colega não vinha, ou tinham que esperar até o colega chegar atrasado. Solicitávamos que a empresa enviasse outra, explicando as razões do pedido. Chegou ao ponto de ter só uma técnica de enfermagem da noite que vinha no plantão. Quando era o plantão dela a gente dormia. E ela precisou dobrar muitas noites, pois eles não conseguiam pessoas comprometidas com o serviço.

Alguns técnicos não tinham a menor compostura. Um deles no plantão da noite, comigo trocando a fralda dele, se deu a liberdade de dar um tapinha no bumbum dele. Como tios brincam com seus sobrinhos(as). Eu nem acreditei. Um tapinha! Que intimidade! A gente não tinha dado essa liberdade. Nós tratávamos o Róger com respeito. Eu passei a trocar as fraldas dele. Era uma situação tão difícil. Falar ou não? Brigar ou não? Sabe que dava um medo? Sim, medo! Medo do que eles poderiam fazer com nosso filho.

Outros técnicos fumavam. Saiam do quarto varias vezes para fumar. Mas o quarto ficava com o cheiro característico. A maioria deles se preocupavam em dar a medicação e sentavam-se. Indiferentes às outras necessidades do paciente.

Os remédios chegavam atrasados. Incompletos. Com dosagem diferente. A planilha de prescrição não vinha no início da semana. Precisei tirar cópia da semana anterior várias vezes.

O médico plantonista nunca estava na base da empresa. A enfermeira era única. Impossível para alguém ficar com celular ligado 24 horas e atender a todas as emergências e resolver os problemas que apareciam nas casas. Ela estava enlouquecida. E ainda tinha que viajar acompanhando remoções de pacientes ou de plantão nos eventos externos que a empresa pegava. E o celular dela não funcionava.

Nós ainda estávamos precisando de muita orientação. Éramos nós e o Róger, acompanhados de um técnico, na maioria das vezes inexperiente. A gente sabia alguns cuidados com o corpo do Róger. Agora a questão de equipamentos, nada. Medicamentos, nada!

Cada técnico conhecia um tipo de máquina usada para passar a alimentação enteral via sonda de gastrostomia. E ninguém conhecia essa sonda de gastrostomia. O Róger tomava 4 frascos de alimentação enteral e tomava 2 litros de água, via sonda. Os medicamentos eram ministrados nessa sonda. Os problemas apareceram. A máquina emperrava, por desconhecimento do operador. A máquina era desprogramada pelo operador. Os técnicos invertiam a entrada da sonda. Resultado, ficávamos 24 horas de plantão. Vigiando. Tentamos marcar a entrada, lacrar a outra. Mas, a rotatividade era grande. O descompromisso era grande. O despreparo era grande. A supervisão da enfermeira, insuficiente. De um plantão para outro era muita coisa para checar diariamente.

O desafio tornou-se grande. A luta tornou-se contínua. Só quem estava no processo podia entender. As pessoas de fora comentavam para ter calma, ter paciência, ensinar, pedir para trocar o técnico. Mas...

Ontem, 11 de outubro de 2012, foi divulgada a noticia de uma senhorinha que faleceu no hospital por uma inversão dessas. É exatamente disso que eu estou falando.

Assim, passamos a ser os “chatos”, “a mãe chata do paciente Róger” ou “o pai chato...” . Passei a anotar em um caderno diariamente, as situações problemáticas que apareciam. Eu tinha tudo anotado.

Até que um dia que recebemos a visita da enfermeira chefe, médico auditor, e gerente do convênio, acompanhados dos representantes da empresa contratada Home Care, a enfermeira, a gerente. Sentamos e demos inicio a reunião. Fui entendendo que a finalidade do convênio era mostrar para nós que estava difícil administrar os conflitos entre família do paciente e empresa contratada. E a finalidade do Home Care era encerrar o serviço prestado, por ser uma família muito exigente.

Logo entendi os objetivos. Então pedi a palavra. Peguei o prontuário do meu filho e entreguei para o médico auditor do convênio. Peguei meu caderno e fui calmamente falando, lendo, os dados registrados, com data, horário, fato, solução adotada, solução paliativa adotada, pendências...

Acabei defendendo a enfermeira, por incapacidade física de ficar acordada 24 horas. A Gerente da empresa ficou sem ação. Dizer que não sabia que tudo isso estava acontecendo foi muito fácil. A equipe do convênio concluiu que não se tratava de “ser a mãe chata”ou “família exigente”. E perguntei: “como será que estavam os outros Home Care que não tinham esses “chatos”...???.”

Havia um contrato entre essas partes e nós no meio. Era muita coisa para a gente lidar. E se tratava de área desconhecida. Nós não éramos da área de saúde. Eu e meu marido somos administradores.

Para tentar consertar alguma coisa o Home Care contratou um novo médico para atender o Róger. Só que demorou muito para fazer isso. E não deu tempo.

O Róger acabou tendo uma pneumonia. Passou muito mal e foi removido para o hospital. A fisioterapia respiratória não estava sendo feita adequadamente. Eu ainda lutei. Passei semanas cobrando do médico do Home Care a solicitação de um aparelho que exercitava os pulmões, tornando-os fortes e com os alvéolos abertos. O médico solicitou o aparelho e prescreveu o uso no inicio da semana. Eu ligava todos os dias para a “enfermeira 24 horas”. Na mesma semana, em uma quinta feira o Róger passou mal e foi internado com “Atelectasia pulmonar” e Pneumonia. Uma conseqüência da outra.

“O termo atelectasia é derivado do grego "ateles" (imperfeito) e "ektasis" (expansão), portanto refere-se à uma condição de expansão incompleta do pulmão. A atelectasia pulmonar é definida como um colapso do pulmonar ou de parte dele. O reconhecimento da presença de zonas pulmonares atelectasiadas é crucial no tratamento fisioterapêutico, pois neste sentido, a medida mais óbvia e imediata é a aplicação de condutas que visem a reexpansão pulmonar“.[...] http://fisioterapiahumberto.blogspot.com.br/2009/02/atelectasia-pulmonar-uma-breve-revisao.html

A atelectasia pulmonar é muito comum em pessoas acamadas. O pulmão funciona bem em posição vertical. A cama horizontaliza o corpo e a conseqüência será mal funcionamento dos pulmões. Lentamente. Um pouco menos cada dia.

Eu tinha lido o livro de Jill Bolte Taylor – A cientista que curou o seu próprio cérebro, (EDIOURO, 2008), que muito me ajudou nesse entendimento. Nesse livro a neurocientista relata a sua recuperação de um derrame. Relata o tratamento recebido dos médicos residentes, dos jovens inexperientes nos hospitais. A sua incapacidade de expressar tudo que ela estava sentindo, pensando ou vendo fazerem com ela. O livro é muito interessante. Ao final ela apresenta recomendações para recuperação, dirigidas aos médicos inexperientes e quarenta itens dirigidos para nós leigos, cuidados, enfermagem. Ela cita exemplos como a dificuldade de calçar sapatos e meias. Ela não conseguia saber qual vinha primeiro, precisava de ajuda. Bem, ela ficou boa, voltando a trabalhar, inclusive dando novamente suas palestras. Mas, quem precisar de mais informações leia o livro.

Após a leitura desse livro, foi ficando claro muitas necessidades que meu filho já tinha e teria. Por exemplo, estava claro que meu filho precisava ser lembrado até de respirar... A respiração dele ficava o suficiente para o dia-a-dia. Não suficiente para expandir o pulmão. Ele precisava dessa ajuda. Do aparelho.

Assim, o Róger foi novamente para o hospital. E não tinha vaga novamente. Passamos a noite em uma maca do Pronto Atendimento (P.A). Febre alta. Sudorese. Membros esticados pela espasticidade, reação do corpo dele involuntária. Meus filhos compraram gelo e nós improvisamos compressas geladas a noite toda para acalmar a febre.

Não tinha quarto, nem na UTI. Não tinha o colchão de ar. O corpo dele na mesma posição, espremido na pequena maca do P.A. Não tinha travesseiros para apoiar o corpo de lado. Os lençóis encharcavam de suor. Conseguir novos lençóis foi desafio. Travesseiros, nem pensar.

Novamente, a sensação de que nós éramos seres estranhos por ali e estávamos pedindo “ouro em pó”! Chamei a enfermeira e quase chorando, mostrei as marcas vermelhas no bumbum dele, perguntei: “ iiiisso é início de escaras?” Pela expressão dela, acho que concordou com a possibilidade. E eu fiquei sem saber o que fazer. Primeiro viramos e fizemos compressas geladas no bumbum dele, estava muito quente.

Passamos o óleo de girassol, que é muito bom para hidratar e deixamos ele virado, o tanto que conseguimos.

O Hospital não teria vagas. Ele deveria permanecer no P.A. Ele e todos que estavam por ali. Eu ouvi uma conversa entre a enfermeira do P.A. e outra enfermeira: “é muito trabalho, é melhor tentar vaga em outro hospital e transferir”. Passei perto e nem dei importância. Um dos médicos nos informou que havia uma vaga na UTI de outro hospital da cidade e que o Róger seria transferido. Lembrei-me da conversa... então, aquele comentário...ahhh, meu Deus! Obrigada pela vaga.

Chegamos em uma UTI. Que alívio! Colchão de ar colocado. A UTI era coronariana e era menos riscos dos “bichinhos de hospital”.

Rosa Destefani
Enviado por Rosa Destefani em 12/10/2012
Reeditado em 31/10/2012
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