Estávamos em férias ... continuação 19a. carta "a gente não sabe o que provocou o acidente"
Foi apenas uma semana de férias e a nossa vida mudou da água para o vinho depois daquele dia, 08 de janeiro de 2010. E a gente nem sabe o que provocou o acidente.
Meu marido não se lembra do fato provocador. Meu filho que estava acordado diz se lembrar de um carro branco, não sabe que tipo de carro, nem de que marca era. Meu marido tem a sensação de ter saído para desviar de alguma coisa.
Ele conta que se lembra de ter dominado o carro no acostamento e que se preparava para voltar para a pista. Mas, não conseguiu. Nesse instante os pneus estouraram, por causa do grande desnível entre o acostamento e a pista, encoberto por mato, grama ou outra vegetação parecida.
Parentes retornaram ao local e deduziram o trajeto que o carro percorreu no trágico acidente, causado por algo desconhecido, inexplicável aos nossos olhos humanos.
Eu me lembro que desci do carro e olhei para os dois lados da estrada e não tinha nenhum carro. Só estávamos nós. Oh meu Deus!!!
Graças ao bom Deus eu não tive em nenhum momento a vontade de reclamar: “por que aconteceu?”, “por que conosco?” e outras frases do gênero.
Eu não sabia o que tinha acontecido, nem a razão! Mas, escolhi não lamentar! Escolhi enfrentar e acreditar. Acreditar naquele que tinha me criado e que tinha planos para mim. A minha vida sempre foi feliz e guiada por Deus. Nossa família era estruturada, tínhamos filhos maravilhosos, perfeitos, saudáveis, inteligentes, educados. Sou do tipo mãe coruja, né?
Outra coisa que não admiti, de mim mesma, nem das pessoas, foi ser tratada como “coitadinha”, vítima da situação, do destino, etc.
E podem acreditar. Foi difícil mostrar para as pessoas que eu não queria lamentar, e nem procurar explicações materiais, esotéricas, ou espirituais para o fato acontecido.
Foi difícil e ainda é enfrentar o rosto de pessoas olhando para um casal de “coitados”, para uma família vitimada.
Pelo contrário, quero ser vista como uma pessoa adulta, responsável, corajosa e sobretudo cristã. Que terá forças para lutar e vencer essa batalha. Rezem para que a gente tenha essa força, essa garra, essa coragem e essa fé.
Um dia a psicóloga do hospital de SP me perguntou: “de onde vem essa força?”Eu olhei espantada para ela e ainda surpreendida pelo questionamento, respondi apenas apontando o dedo para o céu. Vem de lá.
Como eu me senti bem ao responder assim. Eu me senti amparada, cuidada, amada. Tive a certeza que era uma caminhada longa, mas coroada de êxito.
Um dia uma mulher, também com sua filha na UTI, perguntou-me: “você acredita mesmo que seu filho ficará bom?” Sim, eu creio, respondi. Ele ficará bom, pois é filho de Deus perfeito.
É claro que tive muitos momentos tristes, de agonia, de dúvida. Procurava vive-los intensamente, chorando, conversando, rezando, estudando. Depois procurava me sentir forte novamente.
Outra coisa que evitei fazer foi ficar comparando o meu filho com outros casos de acidente. E como era difícil, e ainda é, lidar com isso. As pessoas pretendendo confortar, trazer alívio, trazer esperança, relatam casos e casos que as pessoas ficaram com isso ou aquilo depois do acidente, que precisaram de x meses, de 3, 4, 5... anos para retomar a sua vida, parcial ou integralmente.
Não era o caso de comparar! Cada ser humano tem sua vida, sua trajetória de vida. Cada corpo tem sua capacidade de recuperação. Cada célula é única.
Pelo que entendi a neuroplasticidade é individual. Cada família tem sua estrutura e entendimento do seu papel na cura e reabilitação da pessoa acamada. Cada pai e mãe tem seu jeito de estimular ou não.
Nós escolhemos estimular. Meu marido conseguiu se aposentar e eu escolhi parar de trabalhar. Confesso que ainda tentei voltar, mas não deu. Chegou uma hora que declarei: “vou escolher meu filho, é agora que ele precisa de mim”.
E a empresa não teve dúvida. Demitiu-me.