Para uma amiga no espelho e outras bagdás

"Ufa! Ressuscitou e com classe! Dessa eu gostei. Sou uma apaixonada pela língua, vc sabe, mas não fanática ao ponto de olhar ao espelho... Olho nele e nele me vejo. Adoro ver nele a cara que mamãe fez com tanto capricho... E é nele e não "a ele" que minha cara está... E nela - na minha cara - estão todas as rugas-pauladas da vida que eu venci até hoje..."

Entre muitas decisões a tomar e, como sempre, sem muito tempo, resolvi responder à sua elegante mensagem. Meus espelhos estão todos limpos e hoje resolvi dar uma olhada na minha cara como também no meu corpo inteiro. Foi neles, espelhos, que me vi melhor - não consigo me ver em outros lugares.

Carmina Burana toca incessantemente no DVD, que antigamente a gente chamava de vitrola ou de toca-discos. O fato é que a música toca repetidamente e eu danço. Danço com os dedos, danço com o corpo e danço com os meus pensamentos. Enquanto danço, tomo um gole de Colosi, um vinho tinto seco da Sicília, um verdadeiro néctar dos deuses. Deixo Baco furioso porque a garrafa é toda minha - neste ponto sou egoísta - e ele não vai provar nenhuma gotinha deste sangue divino sugado da terra pelas parreiras mediterrâneas e trazido para a minha única taça de cristal a peso do dólar americano.

Sorvo o vinho com o mesmo prazer do meu sofrido suor para contrabalançar a frustração do cheque que acabo de assinar: acabo de preencher o meu Imposto de Rendas e estou mandando para a Casa Branca, via Internal Revenue Service, a minha contribuição financeira para continuar uma guerra que eu não quero. Não tenho outra opção senão a de.

Assim completo os ciclos da vida, como em Carmina, e brinco com a Roda da Fortuna. Ora perco, ora ganho. E entre perdas e danos canto e sonho com as bagdás da vida em poemas que já nascem prontos quando converso:

Enquanto isso,

sonho com a Bagdá

das mil e uma noites,

dos califas, das odaliscas,

dos camelos e das tâmaras secas;

sonho com o céu cor-de-rosa,

com as noites estreladas e

com a lua derramando seu choro de prata

Sonho com as silhuetas

das palmeiras enfeitando os horizontes do deserto

Sonho, sonho muito e

no meu sonho não existem bombas

nem choros nem sedes nem fomes nem mortes

Sonho com um lugar que talvez

não existe mais

Bjs

F.