Nossa dança acabou.

Em dicionário nenhum havia a tradução correta, o termo que descrevesse como me sinto agora. Debaixo da coberta, o mundo gelado do lado de fora, e eu fecho os olhos para viajar, mais uma vez, nas lembranças dos dias anteriores, das horas anteriores, dos sorrisos recém-adormecidos. No escuro dos olhos fechados, eu revejo. A memória intensamente registrada de nós dois dançando no cais. Eu que sempre gostei de dançar solto e ainda assim, sonhava com o dia que me tirassem pra dançar. Você me puxou pela mão, me carregou pela vida, eu flutuei. A música nos abraçava devagar, lenta, doce, quente. Você sorria, eu tropeçava, perdia o ritmo, endurecia, e você continuava sorrindo... Daqui eu esfrego um pé no outro, e finjo que um deles é o teu, porque eu amo o teu pé e teus dedos e tuas unhas e teus vãos e teus avessos e eu acho que acabo por aprender a te amar, e eu gosto. Você que às vezes ronca num ritmo engraçado, puxa a coberta só pra você, e massageia minhas costas, meu jeito, meus medos, e me dá história pra contar, sorrisos pra guardar, vontade de viver. E todos esses dias são poucos. De repente a vida inteira virou pouco tempo e eu tenho medo de gastar sequer cinco minutos indo até a padaria, porque cinco minutos são quase cinco horas quando você não está por perto e eu já morro de saudade. Eu acordo e quero você, vou dormir e quero você, levanto e quero você, ando, paro, vivo, respiro, e o tempo todo eu quero você e nunca é suficiente. E por não sanar nunca essa vontade, essa loucura sem fim, eu grito e rasgo tua roupa, para entrar no teu peito, apertar teu coração e fazê-lo sentir fisicamente o quanto eu te quero. É insano sim e eu tenho medo... Eu lembro que ontem nós cantamos nossas músicas no carro, gritando com os vidros fechados, e eu lembro que eu ria de nós, dos cantos, das falhas. E eu ria de tudo. Da dor que sentíamos pela vida e ignorávamos, porque quando éramos apenas nós, existíamos sem nenhum muro de solidão ou tristeza. Eu ria com medo da felicidade, porque ser feliz também dá medo. E ser triste dá um medo maior ainda. Foi quando eu percebi que, com você, eu achei uma porcentagem certa de ser. Eu não tinha nome para aquilo que sentia, nem um motivo, nem uma cor, nem uma música, e mesmo sem cor nem gosto, o que eu sentia era maior e melhor do que tudo que eu via nas vitrines pobres da cidade, onde se oferecia amor amargo e vencido. O que eu sentia era você bagunçando meu cabelo, era o corpo fraco após o sexo, o sorriso vago enquanto fazíamos nossas refeições, era o beijo debaixo do chuveiro, o abraço no meio do frio, a tal da dança no cais... O que eu sentia era a história, o antes, o agora, que já não é presente, porque voou. O vento nos levou de nós. Ou foi você mesmo? Eu até tentei chorar, mas eu fui feliz demais para ficar triste por isso. A saudade é o frio lá fora, mas hoje eu estou entre cobertores, aquecido em lembranças, e se tristeza fosse chuva, não sinto nem uma gota sequer. Saudade foi feita pra crescermos com ela, e eu estou gigante, sobre todos. E mesmo que já não te veja nos arredores das minhas semanas, estou feliz, seguro, esperando uma próxima estação e quem sabe uma próxima sensação, um jeito novo de aprender que, por mais chato e doloroso que seja, todo mundo que chega uma hora vai embora.

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 22/09/2012
Reeditado em 16/11/2012
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