AMADÍSSIMA E MEIO QUERIDA

Amadíssima e meio querida,

Somente nós dois sabemos porque me dirijo a ti desta forma peculiar. Ninguém mais conhece o significado contido em tal maneira de tratamento. Segredo nosso, que o conhecemos e, honrando o pacto estabelecido, seguirá com os restos destes dois corpos até sua última pousada, onde igualmente às sobras materiais, por fim e para sempre será consumido.

Mas o que motiva esta carta são tuas dores e o quanto elas me incomodam. Se fossem da alma, seriam de fácil resolução. Afinal, tudo o quanto te aflige no campo dos sentimentos, tu mesmo dizes que é sanado pela convicção sobre o irrestrito amor que a ti devoto. Mas teus incômodos são físicos e os recursos médicos já obtidos revelaram-se eficazes apenas como paliativos. Continuaremos a prosseguir na busca da solução, mas desgraçadamente nenhuma perspectiva de cura é vislumbrada. Os paliativos, como a própria denominação do termo já sugere, trazem só alívios e, no teu caso por curtíssimo tempo. Essa tua forçada entrega a exames médicos, consumo obrigatório de medicamentos e sujeição a outros tipos de tratamento, só contribuem para tirar de ti uma parcela preciosa de tempo que algum resultado gratificante teriam se pudesses ocupar com as atividades que ainda te são prazerosas. E que te fariam sentir-se viva por exigirem muito de tua versatilíssima criatividade intelectual: as artes plásticas. Meu inconformismo diante do fato decorre dessa conjugação de fatores limitantes: tempo restrito - pior, porque roubado- e as dores que limitam os movimentos. Inaceitável também é saber que terás de conviver por longo tempo com o padecimento, visto ainda seres jovem.

Claro, conseguimos um modus operandi em nossa vida sexual capaz de nos assegurar a satisfação mútua, embora sem a frequência e a inteireza das modalidades de antes. Mas é o bastante e me dou por contemplado.

Conforta um pouco o fato de que não perdestes o calor da voz melodiosa e poupada fostes do comprometimento de teu raciocínio ágil e instigador. E continuo me encantando com teu caminhar de bailarina quando ainda podes mover o corpo com alguma desenvoltura, livre por instantes das dores e do travo que te martiriza da cintura para baixo o qual, embora menos frequente alcança teus ombros.

Amadíssima meio-querida, não consigo libertar-me da minha enorme culpa -eis um fator de potencialização do meu íntimo e insuportável sofrimento - por todo esse calvário: não te haver impedido de comparecer àquele ensaio de balé quando bem não tinhas te recuperado de uma forte distensão muscular e corrias o grande risco de sofrer - o que lamentavelmente se confirmou - a queda da qual resultaram a fratura de tua bacia e a quebra dos ossos de um pé em incontáveis pedaços. Um esmigalhamento de consequência atroz e, até onde sabemos, sem possibilidade de conserto. Se te serve de alívio, continuo te amando e meio gostando de ti.

Alfredo Duarte de Alencar
Enviado por Alfredo Duarte de Alencar em 15/09/2012
Reeditado em 17/09/2012
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