Ao amado desconhecido

Rio de Janeiro, numa data qualquer, num ano além do futuro e longe do passado.

Caro desconhecido

É provável que jamais leias isso, mas isso nem é importante. Não é o olho que vê as coisas, e sim, a luz que faz o olho ver... Mas em terra de quem é cego, diz o ditado, "quem tem um olho é rei"... Mas isso me lembra Manuel Bandeira com o seu indefectivel "sapos": - Meu pai foi rei! - Foi , não foi!! A majestade humana devasta florestas, dizima animais que são promovidos primeiro à categoria de animais raros e, depois, como último patamar, animais extintos...

É estranho , sr. desconhecido, como podemos nos sentir tão próximos de quem jamais chegamos a ver, a ouvir e falar... Não são os sentidos que dão sentido à tudo, afinal?? Que macabra comunhão irmã de mistérios e magias que nos podem fazer tão próximos e por vezes tão distantes, em ilhas perdidas entre milhares abismos neutros...

Saímos do útero de uma mulher, chorando, gemendo, do tépido e confortável útero materno para respirar e romper a delicada película no pulmão... Dizem os cientistas que nascemos numa explosão de dor , luz e frio... E assim, permanecemos até nosso primeiro contato com a mãe..

Outra exótica criatura que nos dá alimento, afago e dedicação. E corroendo tudo, vamos nos enredando em sua vida, até nos tornarmos centro de magnitude, tensão ou tristeza...

De repente, o tempo passa, crescemos ou morremos prematuramente, deixamos o útero ainda ontem, e entramos para dentro de outra mãe, a mãe do planeta, a terra... E vamos adubá-la, fazê-la florir, frutificar. Num vaticínio cabalista repleto de mistério e apreensão...

Se morri muito cedo, não experimentei a vida, mas ocupei espaços emocionais, funcionais, sociais e, sobretudo na história de pessoas que jamais serão as mesmas, depois de minha existência...

Ainda que não tenha abrido os olhos uma só vez, o azul ilusório do céu continuará a existir, o verde das florestas e o fogo incandescente a subir as montanhas continuará crepitando, e devastando o que antes era vida. O azul é mentira, o verde é provisório e o fogo é passageiro.

E segue, o inefável ciclo de vida e morte. Morte e vida. Milhões phênix pousam no horizonte distante, a espera de um dia conhecer a realidade e a esperança...

De um dia,a pensar que apesar de jamais ter sorrido, consegui fazer você sorrir, cantar ou simplesmente viver aprendendo a se redescobir.

Agradecida por tê-lo como conhecido, ou quem sabes, se acreditas em kharma? se és budista, judeu ou católico?

E embuído de espírito encontre não um deus onipotente, onisciente e onipresente... Mas um deus particular que residente em todos os dias dentro de você.

Que nas missas diárias de manhãs e orvalhos, você ouça as inefáveis palavras do vento, e reconheça nas miragens, não um sonho torpe, mas a projeção arquitetada pelo tempo no ser humano, o amor.

Cordialmente,

Gisele

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 17/02/2007
Código do texto: T384759
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