O dia em que eu morri - Carta ao papai

E estava eu ali, emocionalmente destruída, fisicamente cansada, mentalmente desequilibrada. Do arcabouço de pseudo felicidade que montara em minha volta não restava mais nada além da fadiga por sustentá-lo tanto tempo. Ao menos certo alívio se achava ali, já não carregava mais o peso daquele contentamento hipócrita. A carcaça estava ao chão.

Ao fechar meus olhos pude enxergar todo o vigor desperdiçado, a dedicação oferecida a quem desmerecia, os anos que haviam ido embora. Ao abri-los, em um resquício esperançoso de mirar o porvir, para meu desespero, nada avistei além das consequências dos meus desacertos, que por certo permaneceriam ali, trazendo a minha memória todos os dias a tola que fui. A minha vida estava desenganada e o pior de tudo, por mim mesma.

Quando ninguém mais olharia para mim, tampouco me estenderia a mão, ouvi de uma atitude que poderia mudar minha vida. Convicta da minha necessidade, mas confessadamente sem expectativas, fui até ali para que aquele indivíduo pronuncia-se aquelas palavras por mim. Antes de cerrar os olhos como havia sido solicitado, contemplei o derredor, seria a última vez, mal sabia eu que nunca mais veria aquele mundo... Não da mesma forma!

E foi naquele momento que você chegou pra mim, literalmente em um piscar de olhos, num paradoxo de sutileza e voracidade que tomou conta do meu ser. Podia sentir um pranto incontrolável percorrendo minha face, mas era um choro aliviado, como se cada lágrima arrastasse consigo partes da minha dor. Paulatinamente, meu coração atenuava-se e eu já podia sentir suavidade no meu respirar. Foi a primeira vez que entendi que é assim a tua presença, como o oxigênio que nos move. Antes de te conhecer eu vivia submersa em minhas mágoas, afogada em ressentimentos, mas tu me trouxeste a superfície. Meu coração vivia vácuo, procurando preencher-se de coisas vãs, mas tais coisas eram menos do que eu precisava e mais do que podia suportar, e assim, eu ia vivendo simultaneamente cheia do que era inútil e me dava uma sensação de empanzinamento emocional, como se estivesse a ponto de explodir a qualquer momento e vazia do que realmente me nutriria.

Se existem palavras capazes de descrever o que eu vi ao abrir meus olhos naquela noite são BRILHO e LUZ. Eu não conseguia entender, pois eu sabia que todos os meus problemas ainda estavam ali, mas algo enchia-me de força e coragem para enfrentá-los. Pela primeira vez me senti realmente feliz. Claro que já havia tido momentos felizes em minha vida, mas naquele instante era uma felicidade segura, residia em mim uma certeza que nada poderia tirá-la de mim, diferentemente de tantas vezes que fui feliz com medo que findasse, o que de fato aconteceu.

E foi naquela noite que eu morri, morri para o mundo e nasci para ti. Foi naquela noite que aprendi a entregar-te meus fardos, minhas dores e depois disso nunca mais fui a mesma. Aos poucos fui conhecendo mais de ti, do teu caráter e fui me apaixonando. Vivemos momentos incríveis juntos...

Foi então que descuidadamente deixei esse amor esfriar e envergonhada hesitei uma reaproximação. Aos poucos eu ia me afastando, mas mesmo assim, com tua imensa misericórdia vinhas lembrar-me que eu não era mais a mesma. A distância apenas mostrou-me que depois de te conhecer é impossível viver sem ti. Antes eu me contentava com o pouco por não saber que existia mais, mas hoje eu O conheço e sei quão palpável e acessível és. Cada vez que magoei teu coração foi como uma faca a rasgar minhas entranhas e eu percebi que não consigo mais viver assim. É doloroso, é sofrido, é pesado demais... E mais uma vez destruída, fisicamente cansada, mentalmente desequilibrada eu fui até ti e novamente tu me aceitaste como estou e por incrível que pareça, de braços abertos. Eu me pergunto como pode existir tão grande perdão e tão puro amor? Foi por isso que decidi registrar aqui o dia da minha morte, para que nunca venha a esquecer-me que tu foste o único que não desistiu de mim, tirou-me das trevas, fez-me nascer de novo. Isso tem um valor imensurável e tudo que eu mais quero é demonstrar gratidão à altura. Obrigado Deus Yahveh, meu paizinho!

Priscilla Carvalho
Enviado por Priscilla Carvalho em 15/08/2012
Reeditado em 15/08/2012
Código do texto: T3831621
Classificação de conteúdo: seguro