Vício e solidão.

Foi ontem que eu aprendi a ser sozinho. Hoje eu já declaro que é gostoso, estou bem, tudo certo. Ou faz tempo que eu vivo assim? Quando a gente tá sozinho é tudo muito inexato. É claro e bem cabido que a vida toda estive sozinho, mas uma ilusão me acompanhava, ou esperança, não sei bem… Eu sei que tinha algo, meu coração era quente, a pulsação era de verdade, eu sentia, eu me lembro. Mas não reclamo da minha solidão decidida. Sim, decidida. Ninguém fica sozinho por acaso, é preciso querer também. E eu quis. A partir do momento que você disse que não dava. E pensou que não queria. Pensou sim. Eu lia seus pensamentos, você nem sabia. Aí tá, eu decidi, eu fiquei, você foi, tudo bem. Achei injusto, é claro, mas também é claro que eu não falei. Às vezes é mais prudente calar a injustiça… Não tinha volta, nem jeito, nem gosto. Não provávamos mais do nosso próprio amor. Sim, amor. Te amei, te amo, te amarei, unicamente, para sempre, como dizem. Mas prefiro a solidão. Caso melhor com ela do que com você, confesso. Acordo de manhã com ela do meu lado, silenciosa e posso fazer meu café e ler meu jornal na maior calma do mundo. Às vezes a solidão me sorri e quem chora sou eu, bobo, sozinho, definitivamente. Geralmente a danada me sorri quando eu me vejo pensando em você… Ela quer me torturar, me adestrar de certa forma, pra cada vez que eu lembrar de você, mudar o rumo dos pensamentos antes que eu possa sequer me sentir triste. Teve até um dia quente que ela me sussurrou pra procurar outra pessoa. Procurei. Procurei e procurei, te juro. Encontrei também, um punhado. Mas ninguém era você, você era só alguém que não mais me pertencia nem ao meu mundo laranjado. Mais de trinta vezes voltei pra casa bêbado, pensativo, mas contente. Nunca achei alguém como você, e isso deixava claro que não havia igual no mundo… Logo, minha tristeza se justificava, e consequentemente, minha solidão. Era nessas noites, quando eu percebia que você era a melhor coisa que já havia acontecido, que eu dormia abraçado nela, e ela dormia sorrindo. Logo, eu dormia chorando. Quem olhasse de longe, acharia repugnante ver alguém se contorcer tão desesperadamente nos braços de uma solidão tão bela. Bela sim, ela era linda, a minha solidão. E com ela eu aprendi a independência. Eu que antes passava dias a fio esperando seu telefonema, hoje em dia nem telefone mais eu tenho. Me comunicar pra quê? Meu único amor mora comigo dia e noite, na quietude da minha emoção. Enfim, antes que me prolongue, saiba que estou bem sozinho, quero deixar claro. Não tô precisando de você, nunca precisei… Mas não deixo de querer você aqui. Esses dias revirei nosso baú, vi teus discos de vinil lá, empacotei todos e quando fui endereçar, hesitei. Considerei todas as vezes que você me disse que estaria comigo no pra sempre, e eu, na ânsia de estar com você, enderecei teus discos ao pra sempre. Talvez o carteiro não entenda, mas quem se importa? Eu também não entendi muita coisa que você me disse em todos os dias que passamos juntos. Depois dos teus discos, achei tuas cartas, tua roupa antiga, tuas fotos, achei de tudo, só não achei teu amor de volta. Logo o que mais importava você levou consigo, ou deixou por aqui em algum canto e eu sem querer joguei no lixo. Pensei em ir vasculhar as latas de lixo no jardim. Fui até a porta, abri e as vi lá longe. Pensei que nosso amor pudesse estar ali, eu ia atrás, ia abrir, fuçar, me sujar, feder, até achar. Quem procura acha, bem assim que a minha solidão falou. E eu não queria achar assim, no lixo. A dor seria maior. Voltei pra dentro decidido a acreditar na ilusão de que teu amor estava bem guardado. No fim da faxina, achei teu cheiro. A solidão me sorriu. Eu chorei. Era uma camiseta já um pouco velha, que você usava toda vez que íamos praticar algum esporte. Lembra como eu implicava pra você mudar de camiseta? Era como se você só tivesse aquela. Se eu soubesse que ela me perturbaria no sofrimento, teria rasgado em algumas de nossas brincadeiras de cócegas. Não rasguei, nem pensei. E aqui estava ela em minhas mãos, servindo de lenço para as minhas lágrimas. Joguei de volta no fundo do baú. ”Quando quiser chorar, procuro de novo” foi bem assim que eu pensei. Peguei na mão da minha solidão e me sentei no jardim do fundo de casa, nossa barraca ainda montada, me encarava ali, me desafiando a ir checar seu interior. Talvez você estivesse ali. Chequei. Não estava. A solidão sorriu, e eu chorei de novo. Gosto dessa sintonia com ela, e hoje vejo que você foi bom sim pra mim. Vivemos felizes, não sei quanto tempo, não lembro, não quero lembrar. Mas depois de todos os discos de vinil e coisas-que-me-lembram-você, olhei para dentro de mim… Minha solidão jazia ali, aconchegada. E eu soube que não estava abandonado, eu tinha a ela. E ela era a melhor coisa que você havia deixado pra mim. E foi com infelicidade que eu notei, que ainda era louco por você, mais do que eu imaginava, mais do que a solidão permitia. E como se eu estivesse fazendo algo errado, ela me sorriu outra vez, como pra me adestrar. Me senti pequeno perto dela. Nem havia reparado em como crescera. Era uma solidão enorme, que sorria. E eu era um tolo enorme, que chorava.

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 14/08/2012
Reeditado em 14/08/2012
Código do texto: T3829354
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