Ela estava armanda, mas não ia atirar...

Ela estava armada, mas não ia atirar. Covarde. Porque ela sabia que ferir não era a intenção, ferir não ia adiantar nada. A pessoa que mais sangrava ali era ela. Você via, era muito evidente que a pessoa mais arrasada era ela. A maquiagem borrada. Sua mão tremia e o suor gelado descia, em gotas, nas suas costas. O que ela realmente queria ouvir era “tire tudo de mim”. Mas nem assim sairia ganhando. Dentro do seu peito de cento e vinte batimentos cardíacos por minuto existia uma puta fenda que médico nenhum conseguiria cicatrizar. Um caralho de mestre de tortura que vivia enfiando agulhas em suas entranhas. Sendo cada agulha nomeada da pior maneira possível: um dia no parque, cinema à meia-noite e ao meio-dia, peixe cru no almoço, casa lotada. Tudo, tudo mesmo que ela tinha perdido para vítima; cada lembrança significava três horas, em posição fetal, no banheiro chorando. E eram tantas…

Ela estava armada, mas não ia atirar. E não era por covardia, era por nostalgia. Tem pessoas que depois de um chá, uma visita infomal e oito meses de amizade se tornam parte de nós ou a nossa vida inteira. Era por nostalgia e aquilo que detesto dizer, saudade. Falando assim nostalgia parece nome de remédio, mas é só pra enganar. É a doença inteira, o câncer se alastrando. E também parece que é coisa pequena, algo efêmero, - mas, ah, é só você ficar bêbada por algumas vezes que a ressaca se torna sua melhor amiga e tudo some. Mas é aí que o perigo mora, nessas algumas vezes que a ressaca finge muito bem ser sua melhor amiga quando te destrói bem devagarinho.

Tire tudo de mim, tire tudo de mim.

Porra! Foi por tentar achar esse cacete de metade de laranja que acabei assim. Que fico me dizendo em terceira pessoa pra tornar as coisas melhores, mais românticas, mais teatrais, mais bonitas e não ficam! Eu estava armada porque sou idiota o suficiente pra evidenciar a minha fraqueza, pra mostrar que eu ainda me importo em ter você de volta. Mesmo sabendo que nunca tive. Que é mútuo, isso de ser parte de um e de outro tem que ser mútuo porque não vai existir. Não de verdade. Porque sonho de uma pessoa é fantasia, mas quando são duas é realidade. Entende? Mas nada é real. Depois que me soquei achando que eu era a minha maior inimiga - e realmente devo ser -, vi que quem é a nossa amiga nessas horas é a loucura. Ou a saudade. Se isso for pessoa. Acho que não é. Nunca vai ser. Quer saber? Estamos sozinhos nessa. Sempre estivemos, sempre fomos sozinhos em tudo o que fazemos e nos enganamos. Pra tornar tudo mais bonito. E nunca fica.

Se você dissesse, mais uma vez, tire tudo de mim e se eu não tivesse medo de todas as suas reações; eu diria que você não pode oferecer o que você não sabe como dar. No fim eu sempre acabaria com um exército inteiro pra te atacar e nunca atacaria. Eu que sangro a porra do tempo inteiro e ainda não morri.

Covarde.

Beatriz Adrivin
Enviado por Beatriz Adrivin em 02/08/2012
Código do texto: T3810153
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.