Pedido.

Eu te escrevo acordando de segunda a sexta, esfregando os olhos cobertos de maquiagem borrada na manga do pijama, tirando o silêncio da minha mente, reclamando das meias que fugiram dos teus pés, procurando as pantufas que eu usei para ir atender o cara do gás e esqueci de trazer de volta, batendo com força no despertador para ele parar de tocar ao invés de apertar o botão.

Eu te escrevo acordando sábado, se espreguiçando, segurando o rosto no meio das duas palmas da mão, escondendo um sorriso típico de quem só acordou cedo porque gosta da rua calma, estalando os dedos em baixo das cobertas, jogando as nossas cobertas e os nossos travesseiros no chão para me acordar, me lançando aquele olhar que pede a minha receita secreta de café.

Eu te escrevo acordando domingo, levando o teu corpo marcado de lençol mal colocado para a beirada do colchão, encarando uma parede invisível, tentando encontrar sentido no sonho que teve, relaxando os ombros ao sentir meus braços ao redor de teu corpo e meu bom dia ativar os ouvidos.

Eu te escrevo mastigando o pão, entre um pedaço e outro uma pausa para me contar como pretende sobreviver as próximas horas, sentada com as pernas cruzadas que nem índio na cadeira da sala de estar, a boca suja no canto, a fome aos poucos sendo matada.

Eu te escrevo nua depois vestida de gotas de água depois enrolada na toalha depois vestida com o uniforme ridículo do supermercado que trabalha para poder manter a faculdade que nem tem certeza se quer terminar.

Eu te escrevo apressada, correndo pelos corredores, procurando as chaves da porta e voltando o trajeto inteiro para me dar "tchau" de perto, com os lábios unidos. Eu te escrevo calma, brincando com a ordem das almofadas, dançando com os laços da cortina, ensaiando penteados com o cabelo molhado na frente do espelho, experimentando batons sem ter para onde ir. Eu te escrevo rosada, as nossas roupas no rodapé da cama, as mãos parando de esconder as vergonhas, as paredes silenciando nossas vozes.

Eu te escrevo longe, no trabalho, na casa da tua mãe, no asilo onde a tua vó está morando, na padaria rindo ao pedir "cacetinhos" sem nunca se acostumar parar depois escrever teu retorno, a volta da cor nas letras.

Argh! Estou cansada de escrever, de ter que imaginar, de escolher as palavras. Eu quero ler, te ler, nos ler. Quero deixar os olhos soltos entre as linhas da vida, onde é proibido apagar, voltar ou pular parágrafos. Quero deixar teu personagem sem roteiro, sem falas prontas e apertar os olhos esperando tu riscares um travessão e montar tuas frases. Tu aceitas parar de me escrever e me ler também?

Karoline Escouto
Enviado por Karoline Escouto em 25/07/2012
Código do texto: T3797414
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