Esqueça 2
Excelência,
Há um mês, enviei-lhe meu pedido por uma carta semelhante a esta. À espera de sua resposta, que pensei ser breve, ocorreu-me um pensamento: o de vossa excelência pensar que meu desejo não passa de asneira. Por dias, passei os olhos frustrados nos correios. Não estou pondo-lhe culpa, não!
Já que escrevo, ocuparei estas últimas linhas com fatos que, sinceramente, excelência, me fazem chorar.Sim...vê-se quanto ingrato é o outro. Ele contou-me assim que voltara da aventura. Eis aqui em suas palavras:
“O sangue preenchia os vazios das escadas, pintava as flores e matava a sede do vira-lata.Os gritos da multidão histérica compunham a orquestra. HAHAHA Não há poesia maior! Por que ao andarilho é dado tamanho espetáculo? Perguntei-me.
Há muitos corpos ao chão; é como caminhar em borrões de tinta. Liberdade, Igualdade e Fraternidade eram o que tinham os mortos em comum. De tanto aclamaram agora... que beleza! Caminhei por entre os corpos e em poucos passos abaixei-me e estendi minha mão ao indigente à esquerda.Segurei-lhe o rosto e admirei...30 anos , jovem, dentes limpos , deviam o respeitar.Olhei à direita,um outro cadáver, 35 anos, aparência desgastada, mãos em calos , descalço; pobre. Suspirei. Por fim disse de consolo: A morte tudo reduz, que beleza! Seus entes estão livres!
A multidão ficou selvagem, condenou minhas palavras, meu riso...
- Porque olham a mim como assassino, ou um louco? Não os matei e ademais, não é de hoje que pessoas morrem; não estudam história? Tudo que há em pé numa cidade é adubado à sangue! Acham que são melhores do que eu? Cada um chora por sua perda, pouco importa outros sangues. O que há são pobres desgraças , que enganam a si mesmo.. acham que possuem alguma integridade? Triste vos olhos, olhos de pena e ódio...tudo que há é estupidez e no fim, desprezo... lamente sua vida, somente ela vos pertence.
Dei meia volta e partir.
- Ingratos! Não percebem que bem fiz? Tirei o sofrimento da vida, não vêem como dormem tranquilos? ”
Quando dei por mim, ele estava a suspirar, seus olhos lacrimejavam... o que se via era uma pobre desgraça, que perdeu na estrada seu destino. Por isso, excelência, deixe-o livre! Não o julgue em terra...
Desculpe qualquer transtorno que minhas palavras possam lhe provocar.Espero contato.
Atenciosamente,