Sobre o efeito, em mim, da palavra genialmente elaborada
Toda a intensidade da vida nunca experimentada tomam corpo nas reflexões de Garcia Marquez, em Putas Tristes. O ciclo mitológico da renovação da natureza, que, ao feitio da adormecida, desperta na primavera após a longa hibernação.
Sinto a mesma dor do DESENCONTRO: sentimentos doentios que o amor distante (não no sentido geográfico da palavra, mas no sentido da POSSIBILIDADE ) traz, dor de adolescente. Descubro, assim como o personagem de Garcia, O AMOR e a IMPOTÊNCIA. O amor veio como na fala do jornalista à cafetina: A INSPIRAÇÃO NÃO AVISA.
A impotência, reconheço, eu mesma cavei e devo, pois, beber dela, o amargo voo de borboleta. Ao mesmo lugar? Ao novo? Sinto, no decorrer da leitura de Putas Tristes evocar partes de mim e, assim, vendo-me em partes sinto: são meus pedaços, minha moldura. Meus próprios fragmentos materializando a coerente incoerência interna que me impulsiona.. .ao velho lugar? ao novo?
Estou devorando Garcia Márquez numa faceta que não conhecia: a do confronto do homem consigo mesmo sem apoio no realismo fantástico. "Putas Tristes" não passaria isenta de uma leitura de mim mesma. Conhecia Garcia Márquez na literatura de Cem Anos de Solidão, em que o autor apóia-se na lógica do absurdo pra materializar a genialidade de sua narrativa. Em Cem Anos de Solidão, há um círculo de acontecimentos externos que vão e voltam na saga de 7 gerações da familia Buendía. Em "Putas Tristes", não. Há, ali, a literatura intimista, psicológica que reflete sobre a quantidade de vida que vai nos restando.
43 anos são os anos que já não tenho. Passaram. Palitos de fósforos queimados. Esperar 90 anos (final da vida) para refletir sobre o que realmente importa? "Ainda assim, quando despertei vivo na primeira manhã de meus noventa anos na cama feliz de Delganina, me atravessou uma ideia complacente de que a vida não fosse algo que transcorre como o rio revolto de Heráclito, mas uma ocasião única de dar a volta na grelha e continuar assando-se do outro lado por noventa anos a mais"
São as partes, os fragmentos de uma lagarta em processo de borboleta ou a borboleta que não sabe bem como conduzir a liberdade." Descobri (...) todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza (....).
Sabe, esse poder da palavra sobre mim...aturde-me. Aturde-me a genialidade de um Garcia Márquez. Mergulho em mim e ouso trazer à tona temas centrais... cortantes.. Perdoa-me. Quando lia os monólogos do jornalista à adormecida Delgadina nos via, de certa forma: esse sentimento como amor: um amor idealizado de quem pouco se sabe Na verdade, nunca nos vimos acordados. Nos fizemos conhecer nesse compartilhar de gosto literário, na leitura, nas impressoes sobre as coisas e no desespero dos sentimentos que inunda o peito e nos afasta da solidão entre tantos de nossos mundos reais.Tal como em Putas Tristes. Trouxe-nos, em um tempo, esse amor, a esperança do ideal de ego. Comparo os momentos em que o jornalista e Delgadina passam juntos, embora com Delgadina “adormecida”, dotados de imensa intensidade, amor e sentimento... como o fomos, um dia. Tal como no enredo de Putas Tristes, vê-se o seu amor partir para mais tarde, encontrando-a, assemelhar-se tal e qual às putas que andam pelos bordéis.
Pergunto: há como exigir da vida tal grau de perfeição que em face do encontro com o ideal de ego- aquele amor que custava-nos acreditar existir em carne, osso, alma e vulva- há de as coisas transcorrerem com a perfeição dos contos de fadas? Não nos permitimos perdoar as tensões e erros das atitudes..não admitimos que o outro erre. Não perdoamos a vida. Há, claro, insensatez, falhas.. Queremos. mais, EXIGIMOS que a vida se comporte linearmente, irrepreensivelmente.E não podendo ser como tal, nos negamos o amor..nos negamos perdoar..fechamos os olhos para O ENCONTRO DE ALMAS, DE DESEJO, DE SINTONIA..o encontro de 2 pessoas que se encontram no EXATO MOMENTO de sua essência de homem e mulher. Negamos. E privamo-nos do amor..