Carta para Portel

Rio Pará, 21 de junho de 2012.

Caríssimos conterrâneos portelenses,

Nasci em Portel em meados da década de 1970. Fui neto de trabalhador de uma empresa madeireira local, que por décadas ganhou dinheiro com a floresta e que junto com outras madeireiras infelizmente quebraram a partir talvez de 2007. Hoje os tempos para este setor são difíceis, mas já houve período de boa gordura, pelo menos é o que lembro quando de minhas breves passagens pelo município, em minhas férias de criança, escapadas da região do Jari.

Quando adulto percebi o que não tinha a noção antes dos processos fundiários que hoje conheço: muitas famílias ribeirinhas foram expulsas ou ameaçadas por empregados e até donos de madeireiras, migrando milhares de pessoas para a cidade a brigar por um emprego, seja na prefeitura, seja nas mesmas madeireiras.

E a crise se instalou em todo o município. Uns dizem que por conta do mercado internacional fracassando na hora de comprar a madeira do Marajó. Outros falam das pressões governamentais quando das fiscalizações ambientais do IBAMA. Outros indicam má gestão. E uns e outros apontam para tudo isso junto e misturado. Não sei. O fato é que o modelo de uso da floresta em Portel nos últimos 40 anos não conseguiu gerar a riqueza e a justiça social suficientes para colocar Portel à altura de sua grandeza, pois muito, muito mesmo foi retirado sem planejamento.

Sendo apenas um cidadão andarilho deste vasto estuário amazônico, me veio a percepção que a situação de pobreza existente em várias localidades que já visitei foi motivada pela não valorização do caboclo amazônico e Portel não fugiu a esta regra. Grilagem, ameaças, falta de apoio à educação, políticas imediatistas não estruturantes foram causa de colocar rios inteiros como o Camarapi, o Pacajá, o Acuti-pereira e o Anapu a expressar isolamento, tristeza e não dignidade, apesar de um povo hospitaleiro, esperançoso, miscigenado e de história profunda. Nestes novos tempos com a informação a chegar cada vez mais longe, em cabeceiras dos rios mencionados anteriormente, por que não transmitir que o portelense pode ter direitos e não mais medo? Mais sonhos e menos frustrações? Reforçar o que já se avançou?

Para os candidatos a vereadores e prefeito de Portel neste ano de 2012, por que não pautar as plataformas de governo nesta transmissão de cidadania? Não seria legal dizer o que se pretende fazer em termos de reformas de escolas e estratégias de valorização dos educadores locais? Não seria interessante ao final de 4 anos festejar melhorou-se ainda mais a nota do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de Portel para 3,9, superando a média nacional para escolas públicas e que o vereador fulano ou prefeito ciclano contribui para isso? Como não seria bom afirmar que os índices de alcoolismo de jovens e prostituição de meninas diminuíram drasticamente?

Não sou especialista de desenvolvimento urbano. Só tenho palpites que guardo para mim mesmo. Entretanto, no meio rural, desconfio por meio da experiência que Portel não pode e não deve desvalorizar a sua floresta, seus rios, sua fauna. Enquanto outros municípios no Marajó têm no avanço da regularização fundiária um meio de desenvolver a sua economia, Portel muito pouco até agora caminhou em termos de ordenamento territorial. Sem a segurança da terra, como investir na posse? Sem documento fundiário, como acessar os benefícios do Plano Nacional na Reforma Agrária? De seus 2,5 milhões de hectares, somente 6% do território portelense tem ordenamento. Nos 6 municípios marajoaras que já estão na casa dos 50% de regularização fundiária, é nítida a melhoria na capacidade de captação de recursos para o local.

Nos últimos 10 anos, a população de Portel cresceu 37%. Desta forma, como estão os planos dos próximos gestores e legisladores no acompanhamento deste crescimento e de seus efeitos? Qual a construção para a melhoria do atendimento dos agentes comunitários de saúde? Estes são importantes atores para a eficácia da prevenção de doenças, pois sabemos muito bem a dificuldade de contratar médicos para a cura das enfermidades na região.

Economicamente, temos que avançar. As receitas obtidas com a produção de açaí de Portel segundo o IBGE representam hoje 1,7% do Marajó. Em região onde o açaí pode ser uma forma de combate à fome, eis aí uma oportunidade de ganho social, chance esta que o rio Acuti-pereira já percebeu e está tocando com suas já milhares de latas vendidas nas safras. Precisamos melhorar nossos números de produção, precisamos valorizar o trabalho ribeirinho.

Precisamos valorizar o ribeirinho e principalmente a ribeirinha. Pois não tem sido a mulher que calada na maioria das vezes tem agüentado nossas mazelas? Não é a mãe a criatura que mais sofre no mundo quando um filho lhe pergunta o que tem para comer? Foi sim a pergunta feita por gerações inteiras e nossas mulheres suportaram fortes tais desesperos. Então, vamos valorizá-las. Retornem as parteiras, orgulhosas quando olhavam na parede de seus casebres os certificados de um curso aqui, uma honra ao mérito lá, etc. Eu gostava de ver a minha bisavó Margarida toda prosa ao me mostrar seu certificado lá grudado na sala pra todo mundo ver. E naqueles cheiros de andiroba e copaíba que vinham lá do quarto dela, eu via saírem mulheres grávidas sorridentes, conversadeiras e pelo jeito, bem cuidadas, mesmo sem a medicina e a programação de pré-natal avançadas de hoje.

Então gestores e legisladores, prefeito e vereadores, pensemos em uma Portel melhor daqui a uns anos já pensando hoje, tão grande é em extensão, merece ser grande também em sorrisos e cidadania.

Aos portelenses, escrevi.