Esqueça
Excelência,
É com muita cortesia e pretensão que lhe dirijo estas palavras. Apenas falo em nome de minha memória, à quem devo enorme gratidão. Não a quero maculada por falsas verdades, nem vê-la taxada à simples loucura, à simples falta de integridade.
Eu o conheci. Todos os dias, na mesma hora, prontificava-se secamente na frente do espelho. O que buscava, julgo aqui, era somente saciar o desejo humano de conhecer-se, desesperar-se diante da incompreensão, mas nem isso lhe era possível. Agora, nem o palpitar o pertence... o que há é inexorável, resignado ...que à sombra de seus passos , apenas caminha ...Oh, pobre coitado ...se seus olhos lhe fossem a alma a muito estaria morto.A solidão converte-se em humano atento,o amigo, consciente de sua função. Que lamento era sua vida, tudo lhe foi renegado; se buscava felicidade? A mais sublime, digo eu. A quem diga com desdenho ... só porque , no fim, o que lhe importava era a cabeça do rei. O que fez, levou a alma de muitos, mas não cabe a nós julgá-lo com nossas manias, não seria adequado. Por isso vos digo que : os "ases" da vida nada são senão circunstâncias. Sempre há um motivo puro para a insanidade.Seu fim nada mais foi que isso, a penumbra de um desejo que não pôde se realizar.
Oh, o quão triste é vê-lo despido de sua sombra, da inútil razão de sentir; só mais um a ser lembrado, a ser esquecido. Mas era humano, sentia medo...
Defendo-o como amigo, Excelência, não só dele, mas também daqueles que possuem os mesmos olhos que os dele, que fizeram de si instrumentos para servir-me de prazer.
Não sei se lhe agrada minhas palavras, ou mesmo se as compreende da forma que espero.O que peço é esquecimento. Sim, Excelência, esqueça esta lembrança... deixe-a fora da luz para que se possa apreciá-la.Deixe-me tê-la tão pura quanto o sangue que ele derramou, quanto sua intenção em amar.
Atenciosamente,