Palhaço, um texto de amor.

Eu já comecei me recusando a fazer uma carta de amor, na minha ânsia anormal de não ser normal. E foi bem assim que, durante uma noite, há meses, tudo começou a acontecer. Houve um primeiro olhar que eu, com a memória pequena que fora herança psicológica de minha mãe, já nem lembro direito. Houve um primeiro abraço que eu felizmente ainda provo da sensação quase sempre. Houve, depois, um beijo culpado, demorado, um amor proibido. Mas todos os brindes de nós começaram exatamente quando, por um segundo infame e ordinário, eu abri demais uma janela minha e você viu por dentro que a normalidade me assustava. E você nunca soube, mas você me assustava também. Meu terror era exageradamente pesado e me fez, mais de uma vez, respirar fundo e expirar e inspirar e pirar. Meu medo era maior que o pavor que eu sempre tive de palhaços, fantasiados, ridículos, escandalosamente me fazendo sair correndo na direção oposta. Mas você era um palhaço ao contrário. Eu não corria de você, e eu bem queria. Eu corria para você. Eu corria por você. Eu corria em você, meus olhos e minha boca porque você, por mais palhaço que fosse me assustava de um jeito delicioso e eu queria provar do meu medo para alcançar meu limite e poder te amar. Mas amor era meu outro palhaço. Me dói achar que amo e depois descobrir minha própria farsa. Me dói ver amor sangrado em amigos, em familiares e em pessoas que eu mesmo feri. O amor é ainda mais assustador e eu sempre soube disso e vivi por isso sem saber que você chegaria uma hora.

Exatamente quando chegou e viu o susto absurdo que viver me causava, você talvez me quis. Quando éramos só nós e o lago, numa tarde perdida no meio de milhares de memórias que eu tenho com você, eu senti. O céu acima, o lago abaixo, e nós dois na linha do horizonte entendendo finalmente a lenda sobre destino, amar e ser. Eu entendi tudo com você e ri, debochando de mim e do meu passado ridículo, porque eu percebi, na linha do horizonte, que eu nasci reservado por inteiro, sem faltar nenhum pedaço, para você. E luas depois, em uma tarde dessas que eu amava apenas por ter esbarrado com você em algum momento, eu me encontrei livre de mim mesmo. Você me libertou de ser, queimou meus demônios e medos, e sufocou minha esquizofrenia maldita. Você multiplicou minha essência pra eu me encontrar e eu consegui então me resgatar de toda dor e angústia e desespero. Eu revi uma luz que eu jurava estar apagada. Você reascendeu meu jeito de ser. E eu pensei, por um pequeno segundo, que eu poderia te amar.

Mas depois da luz, ainda houve chuva e lágrimas, até um dia quando eu vi nossas vidas coladas e interdependentes. Nesse dia, eu nos olhei na mesma cama, na mesma vida, teu coração comigo, o meu contigo. Foi então que eu, que morria de medo de palhaços, compreendi que tinha um sentimento tão estranho quanto eu para te dar. Amor era e ainda é tão pouco perto do meu desejo de enfiar você goela abaixo na minha existência... Amor continua sendo pouco, você já deixou de ser palhaço, eu deixei de ser louco e nossa história está só começando. Por enquanto, eu aprendi a amar o que se é, porque amor é caso de sobrevivência. Eu descomplico, descosturo, te descubro e acho que te amo outra vez. Agora amor é pequeno, nós somos enormes e meu medo já não existe. Você não era mais o palhaço, nem o príncipe, nem o super-herói. Você reinava em mim e, melhor que qualquer outro rótulo patético que tenham criado, você era meu melhor amigo. Até ontem, quando nos despedimos. Teu corpo foi para o lado oposto, mas você ainda estava em mim. Eu vi por fim, com um sorriso nos olhos e o coração latejando de adrenalina, que você era uma parte do meu melhor lado. Uma parte de mim. E eu te amei mais um pouco, um pouco o resto da vida...

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 07/07/2012
Código do texto: T3764697
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