Ela se escondia embaixo da mesa da cozinha quando trovejava...
Ela me disse que se escondia embaixo da mesa da cozinha quando trovejava. Dava segurança, eu entendia bem disso. Ela me disse tantas coisas enquanto eu observava o seu jeito mudo de dizer as coisas. E me disse também de como as pessoas são vazias. Que de gota em gota seu pulmão havia sido entupido de veneno e que respirar não ajudava em nada. É a única escolha pra quem está no meio fio, ela me dizia nas vezes que olhava o céu por horas. A única maneira de se salvar sem precisar perder a sanidade. E ardia precisar dela, meu Deus como resisti dizer isso; ardia sonhá-la com todos os véus brancos caindo sobre seu ombro nu. Eu precisava de todas as suas manias escuras, as indas e vindas que ela me fazia dar no quarteirão à procura de um pouco de ar. De todas as vezes que olhei pro vidro do box e vi algo escrito por ela. Como eu dependia da sua risada fosca pelo barulho da TV e do rádio. E falar isso em voz alta era admitir que um Sol sozinho não brilha mais que duas estrelas distantes. Era admitir que sozinho eu era a sombra no espetáculo de cores. E era isso que me perseguia: eu saber que ela estava tão perto de mim e eu tão longe dela. Mas eu entendia. E só me perguntava o porquê dos dois lados do meu peito baterem. Ou melhor: um lado batia e o outro latejava. Ela me disse sem dizer que isso era buraco negro. E que em breve quem cairia ali era ela. Beatriz ardia em todo o meu corpo. E me custava afirmar que a minha nova droga era o cheiro do seu perfume. Ela escreveu o número do seu telefone na janela do meu carro com batom e logo depois choveu. Nunca mais a vi. Mais nada além dos meus sonhos. Vazios.
- e quando você me disse que estava usando o seu melhor par de meias porque achou que seria a última vez que me veria, eu tive certeza de que você era minha.