Carta sobre planos de uso dos recursos naturais

Alto Rio Camarapi, Portel, 06 de junho de 2012.

Caríssimos

Pedro, Bira, Girolamo, Juci, Codó e Alípio.

Esta viagem que faço para Portel, no Marajó, trata do lançamento do projeto do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Portel (STTR Portel) em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará (IDEFLOR) e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Social. Seu propósito é incentivar a elaboração de planos de uso dos recursos naturais de cerca de 60 comunidades que fazem parte da estratégia do Governo Estadual que estabeleceu Decreto de Reserva de 274.919 hectares envolvendo as micro-regiões Jacaré-Puru, Alto Camarapi, Acangatá e Acuti-pereira. Lembro de 13 anos atrás, dos debates sobre planos de uso documentados em Gurupá e acordos comunitários antes da destinação fundiária como um bom preparo das famílias para recebimento de seus documentos. Uma contrapartida de fato para as concessões de direito real de uso.

As localidades Ilha de Santa Bárbara, Ilha das Cinzas e rio Jaburu (em Gurupá) são alguns dos exemplos que mais me recordo em seus detalhes, talvez por conta de ter acompanhado de perto e com maior intensidade, todas hoje regularizadas em formato de assentamentos agroextrativistas ou Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Aprendi nestas construções participativas que discutir regras de uso da mata e dos rios estava além de discutir segurança oficial da terra, tratando-se de uma luta pela manutenção das famílias.

Nestes lugares pude perceber que as regras comunitárias seriam o direcionador de todas as ações em agricultura e extrativismo realizadas pelas famílias, com os limites de respeito entre cada posse como redutor de conflitos. Assim uma posse historicamente iria do igarapé Limão até o Tracuá e tudo estava acertado entre os confinantes. Deste modo não seria permitido bater timbó. Assim ficava estabelecido que explorar madeira seria apenas se houvesse manejo florestal. Que corte de palmito, só se fosse durante o manejo de açaizais. Aliás, percebi ao visitar alguns lugares, que a falta de discussão prévia sobre onde e como seriam feitas determinadas atividades agroflorestais, abriram a porta para espertalhões que se aproveitaram da terra regularizada para praticar a extração predatória.

Entendi que quando se discute a natureza e a convivência entre famílias e esta mesma natureza, todos ficam mais fortes. Daí mencionar a regularização fundiária como conseqüência nos casos Santa Bárbara, Ilha das Cinzas, Jaburu. Acho até que a avaliação de tais planos é importante para reacender a chama da organização comunitária, agora em vez da luta pela terra, da batalha pela valorização da floresta. Se bem ganhamos, bem temos que manter.

Acho muito louvável que o IDEFLOR provoque a regularização fundiária a partir de diagnóstico socioeconômico e plano de uso dos recursos naturais nas comunidades portelenses. Em um tempo em que a direção do ITERPA assume o posicionamento retrógrado de não mais desejar destinar terras por meio coletivo, no mesmo governo tem-se uma opinião contrária, onde a discussão precisa passar sob o ponto de vista territorial de utilização dos recursos florestais e aquáticos por famílias agroextrativistas. Interessante este certo impasse, o que significa que o processo de ordenamento passa a ser mais importante que o entendimento de um ou dois indivíduos que não reconhecem os territórios dos povos da floresta. Portanto, lá vou eu novamente ajudar na elaboração de planos de uso, convidado que fui pelo STTR de Portel e IDEFLOR.

Além de elaborar os PUs em Portel, a ocasião é ótima para avaliar o caso do rio Acuti-pereira. Da grave crise humanitária que se instalou naquela localidade em abril de 2004, quando da morte de 17 pessoas por hidrofobia causada por morcegos, naquele mesmo ano as comunidades analisaram a maneira como tratavam a fauna e flora, uma época que balsas de madeira escapavam do rio, empobrecendo ainda mais os moradores. Com isso, as associações dos Trabalhadores Agroextrativistas do Acuti-pereira (ATAA) e dos Produtores Extrativistas do Rio Acuti-pereira (APERAP) construíram leis comunitárias para disciplinar a caça e a pesca, ao mesmo tempo em que se manifestaram contra a extração madeireira, ameaçando fechar o rio. Se não conseguiram sua tão sonhada Reserva Extrativista (perdido o processo dentro da intrincada transição entre IBAMA e ICMBIO), ao menos melhoraram suas ofertas de caça, pescado e produção de açaí, segundo os relatos que tomei neste janeiro de 2012 quando visitei a comunidade Laranjal, terra da querida Dona Vanica. Não sabem os moradores afirmar em termos numéricos este avanço ambiental e até mesmo econômico, mas sentem a diferença nestes oito anos. É momento realmente de avaliar para aprender e ensinar.

O Plano de Uso é um constante estado de alerta. Depois do que vi em uma comunidade que tinha suas leis, mas as fizeram cair pela sedução madeireira, penso ser necessário que as associações agroextrativistas passem a dar o mesmo peso que existe quando das assembleias de eleição de diretoria para assembleias de avaliação dos planos de uso dos recursos naturais.

Seria uma prova de lealdade com o futuro.

Um pacto com os ainda não nascidos.

Aos mestres, escrevi.

Pantoja Ramos