Carta à Consciencia

Durma sabendo que vão dormir também pelo chão, sob marquises, sob a ditadura do frio. Talvez neve nesse fim de semana, talvez alguns nem acordem. Papelão nem sempre protege das garras geladas da morte.

Peço apenas que não durma. Fique a atormentar quem tenta dormir, fique a cutucar incessantemente o coração de quem tenta esquecer do frio sob as cobertas que alguns morrerão sem nunca ver.

Claro, o cansaço vence e acabas por dormir, que assim seja. Amanhã, vai trabalhar, ou estudar, ou não fazer nada, e vai esquecer tudo isso, vai esquecer do sujeito com frio. Bem, ele não vai esquecer que tem frio, a consciência dele queria poder ser relapsa também, mas convive com a morte tão de perto que não pode se dar ao luxo de pensar à toa.

Não lute contra o peso que carregar quando pensar em tudo isso. Aceite-o, busque aconchegá-lo, tentar achar pra ele algum calor. Quando o fizer, talvez ache no sujeito que te carrega alguma salvação a respeito de um sentimento humanitário.

Bem, caro amigo, não tenho mais o que pedir, vou dormir sob minhas cobertas quentes, enquanto morrem pessoas, enquanto os que não morrem rezam pela aurora, ou nem mais nas rezas acreditam, e só veem o tempo passar.

Até outro momento, talvez menos triste que uma noite que antecede uma desgraça. Mas bem, até nunca, então.

Ah, se eu pudesse...