"pra não dizer que não falei das flores"
falo de você, agora. O seu sorriso calmo e sua necessidade de letras minúsculas. Da sua boca fina, da voz agitada, do cabelo arrumadinho e a blusa amarrotada. Falo do seu abraço fervoroso, das palavras certas, do adeus sem lágrimas. Da sua mão calejada, seus desenhos ínfimos e a imaginação gritante. Do seu desejo de querer o céu, as luas, planetas e pessoas - todas, todas. Falo da sua vontade de gritar, de se embriagar, de fazer da pintura um ato de coragem. De se fazer de coragem, de se fazer de rosa, de se fazer de carro alegórico. E se imaginar em fantasia, no meio dos aplausos do telespectador, na varanda que tem vista pro mar. Falo do seu jeito de fechar os olhos - lentamente, indo e indo pra lugar nenhum -, seu rosto torto, a sua mania de dobrar a camisa três vezes. Do seu medo de escuro, de aranhas, de viver só, de ter medo. Falo de você como se eu te conhecesse melhor que todo mundo, como se eu fosse você e sentisse na pele o calor do Sol penetrando no corpo. Como se nós - eu e você - fôssemos uma única lua com um par de estrelas dentro. Falo de você com ânsia do próximo segundo, arfando incessantemente até a morte chegar. E mesmo morta, eu ainda estaria com ânsia de você. Da sua música preferida, sua cor preferida, seu sapato preferido. Eu falo lembrando de como você se embola com os tempos verbais, com a gramática e mesmo assim você diz exatamente o que quero ouvir. De se atirar ao abismo sem o frio na barriga, de andar de carro na última velocidade e de fugir da polícia quando nós, um dia, roubarmos um coração. “Pra não dizer que não falei das flores”, cito as suas eras do gelo, seu andar quase parado e seu desânimo com as noites. Do seu desânimo com tudo que tenha muitos significados, com tudo que seja triste e termine sem fim definido. Eu falo de você sabendo mesmo-mesmo que estamos em mundos diferentes e que, daí onde está, você não vê flores. Nem o céu resfriado. Nem as constelações. Nem eu.