Carta que nunca devia ter sido escrita
Escrevo para afastar a ausência.
Eventualmente toda a minha escrita nasce e morre em ti. Corre para ti como um rio para o mar.
O sono abandonou-me.
O teu corpo não está deitado na cama com um sorriso rasgado e um convite maroto para me deitar ao teu lado.
Na verdade o teu corpo não está em divisão nenhuma da casa.
Está a quilómetros de distância.
E no entanto, tenho o teu perfume a cobrir-me a pele.
Queria poder dizer milhares de vezes todas as palavras que pudessem expressar o que sinto.
Nunca as digo.
Quando finalmente reúno coragem para as pronunciar são horas de partires e levares contigo pedaços de mim e da minha escrita.
Fico sempre à espera.
À espera que a ponta dos meus dedos falem mais alto que eu. Que os meus braços te enlacem com a força suficiente para tu entenderes que só tu fazes sentido para mim. Que só tu és o meu sentido.
Porquê, meu amor, não te embalo eu na poesia das minhas próprias palavras?
Porque só sei escrever num grito mudo de amor?
Secretamente rezo para que me leias, me entendas, me abraces. Me invadas.
Vivo com o medo de te perder preso na garganta, a transpirar-me pelos poros.
O abandono vive-nos nos olhos e não nos lábios. É por isso que te dou os lábios numa fome devoradora e afasto o olhar para sussurrar palavras de amor.
E ainda assim, perco-me em ti sempre que te tenho perto. Sempre que penso que me devia manter mais longe, mais fora do alcance da dor, tu apertas-me contra o teu peito e o teu perfume faz-me esquecer a prudência.
O amor não é prudente, penso eu.
O amor é uma faca cravada no coração. Que dói mas nos alimenta.
Eu também não quero ir para lugar nenhum onde tu não estejas. Mas estou aqui... longe.
E no entanto, dolorosamente perto.
Apetece-me chorar de tanta saudade.