o mundo era nosso

O mundo era nosso, mas você sempre quis manter uma distância confortável entre nossas mãos. E, aos poucos, os laços foram se desmanchando como algodão-doce na boca. O mundo era nosso até o fim do dia, o fim da esquina e o fim do nosso amor. Eu era o trailer de um clássico dos cinemas e você era o filme inteiro, talvez seja por isso que continuo remoendo os erros de cenas. Acho que nunca fiz parte de uma cena do seu filme. O mundo era nosso até o amanhã, até o bater dos sinos. Até a igreja declarar todos os maridos e mulheres, até sobrar uma opção mais favorável para o seu clima e você arrumar as malas pra ir embora. Até você rasgar todas as cartas, o vidro trincar com o terror da noite escura sem sua presença e eu te esperar pacientemente na minha poltrona azul lendo qualquer livro pra disfarçar o que sinto. Era nosso e você disse que não, que o mundo não existe e é tudo sonho de criança. Disse que no mundo dos adultos ninguém chora, ninguém espera o beijo de despedida, ninguém vê as nuvens porque o horário é apertado demais. Que o seu relógio está sem ponteiros e você não faz nem questão de saber quantos meses fazem que nos vimos pela primeira vez. O mundo era nosso e a Terra do Nunca também, éramos os mesmos sempre e o sorriso nunca murxava; era a única flor do jardim que estava sempre linda como as manhãs de sábado. E as fotografias nos chamavam para danças, era um bafo bem quente no sono gelado. De nada adiantava os seus trocadilhos enquanto eu lia a revista, eu entendi que o amanhã não deveria existir. De nada adiantava você me alertar que o amanhã não espera as nossas vontades porque eu entendi que o amanhã não deveria existir. O mundo era nosso antes do baque da queda, da chuva escorregadia e do balão furado. Antes de abrir as mãos e deixar ir. Você abriu a mão, mas eu não quis ir.

E o amanhã, ah, ele chegou...

Beatriz Adrivin
Enviado por Beatriz Adrivin em 18/05/2012
Código do texto: T3674919
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