Carta para um primo

Minha mão segura a caneta e desliza sobre a brancura do papel;solta a tinta fresca, as letras fluem como um rio largo. A saudade aqui corta os nervos como facas afiadasno couro dos cabritos. Escrevo tarde.A noite guarda mistérios,espalha sombras na ausência das pessoas que mais amamos.

Desejo saber das caminhadas na areia.Sobes rochedos ou serras? Ainda continuas a banhar-se no açude cheio, debaixo do sol? Os primos daqui, disseram que não perdes as missas no Dia de Finados.

Olha,não creio mais nas histórias inspiradas nos cabelos assanhados de Maria Bonita e no fogo das velhas espingardas de Lampeão.

O Nordeste tá mais bonito, meninas usam tablets na escolas, nas quadrilhas de São João, velhos não conseguem mais entrar. É preciso ter fôlego,porque o ritmo agora tá mais acelerado.

Não aprendi dançar forró ouvindo guitarras. Só ouço as notas tiradas da sanfona,o pulso forte batendo zambumbas e o tilin-tingo-tingo do triângulo.

Ainda rezo para São José,choro nos festejos Juninos, na cidade onde moro. É tão difente! Todos passam apressados, ninguém mais olha para o céu, não veem luas nem estrelas. Não fosse essa diferença,aceitaria o convite para uma passar uns dias contigo.

As saudades foram se acumulando nesses anos todos.Pouca chuva,o gado morrendo.Ouço ainda o choro das cabras na hora do abate.O pouco que temos,foi vendido, para escaparmos do aperto e da carestia.

Continuo à espera de uma boa chuva.

Envio um abraço bem apertado.

Do primo e amigo Tião.

Raimundo Lonato
Enviado por Raimundo Lonato em 14/05/2012
Código do texto: T3667434
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