Marcelly

Bom, você acabou de fazer sete anos. Já sabe ler. Por isso estou escrevendo, tudo o que não consegui falar da última vez que nos vimos.

Lembro que nesse dia nós estávamos jantando juntas quando tudo aconteceu. Eu tinha te prometido que fariamos aquela sua lição de matemática depois da janta. Não fizemos.

Você não deve ter entendido porque eu saí chorando, né?

Você não deve estar entendendo porque eu não voltei até agora, né?

Sabe, meu bebê, eu simplesmente não consegui me manter por perto pra poder te dar todo o suporte, o ombro, o colo, que você precisa. Pior, que você merece. Pra ficar ao seu lado, eu tentei me fazer de surda por muito tempo. Pra ficar ao seu lado, tentei fingir que era cega todos esses anos. Coloquei todas as minhas prioridades de lado. Só por/pra você. Mas eu sou fraca, com limitações. E falhei.

Eu sinto muito por não terminar de te ensinar a tabuada do nove.

Eu realmente sinto muito por não estar mais todas as noites aí pra fazer sua mamadeira, deitar ao seu lado, soltar as presilhas do seu cabelo e rirmos juntas ao ver aquele black power imenso se afofando no travesseiro. Aí eu dividia meu fone de ouvido com você. Aí eu contava histórias de finais felizes mesmo sabendo que a vida não é assim, mesmo sabendo que eu estava te enganando, mas você tem o resto da vida pra sofrer, essa é a hora de se enganar pra ser feliz. E eu te enganaria pelo resto da vida pra te ver feliz. Por onde eu soubesse que você iria passar, eu iria antes pra plantar flores e colocar gatinhos fofos no caminho. Me desculpa. Me perdoa. Eu falhei.

Eu não vou estar aí pra ver você terminar a primeira série.Não vou estar por perto quando você virar mocinha e nem vou te ensinar como se coloca um absorvente. Não vou saber com quem ou quando foi seu primeiro beijo. Nem sua primeira vez. Não vou ser a tia preferida dos seus filhos. Talvez aquela tia mais velha doida, fumante e solteirona que vive na capital. Aquela que saiu de casa cedo aos gritos e chorando copiosamente. Aquela irmã mais velha que quase nunca foi presente fisicamente, mas que na verdade, sempre viveu por você. Aquela que ninguém nunca compreendeu e muito menos se esforçou para. Mas, incontestavelmente, alguém te amou muito independente de laços sanguíneos. Te amou por quem você é. Te amou pela criança linda você é e, promissoramente a mulher maravilhosa que vai se tornar. E é de extrema importância você saber que eu estou do seu lado, embora esteja à centenas de quilômetros de distância. E saber que eu te amo, minha neguinha. Eu te amo, minha irmã.

Para minha irmã Marcelly, o único amor em que eu acredito.

nes_ste
Enviado por nes_ste em 29/04/2012
Reeditado em 07/05/2012
Código do texto: T3639913
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